Everton está sumido há 20 dias, após sair para uma festa na Baixada  - Arquivo Pessoal
Everton está sumido há 20 dias, após sair para uma festa na Baixada Arquivo Pessoal
Por Charles Rodrigues
 Uma festa em Queimados, na Baixada Fluminense, pode ter sido o último destino do jovem Everton da Silva Elino Soares, de 18 anos, que está desaparecido, há 20 dias. De acordo com familiares, ele saiu de casa, com a sua bicicleta, e foi visto pela última vez por um dos seus primos, com quem comunicou a ida ao evento, na comunidade dos Predinhos, em Parque Valdariosa. Everton, no entanto, não retornou para casa e a polícia investiga a possibilidade de o jovem ter desaparecido antes de chegar ao baile.
Abalados, familiares e amigos já realizaram buscas em comunidades, hospitais e institutos médico-legais da região. Morador do bairro Vila Guimarães, em Queimados, Everton era conhecido na região, pois, trabalhava com venda de doces. Conforme relato da família, antes de desaparecer, o jovem não demonstrou mudanças de comportamento, não apresentava problemas de saúde e nunca dormiu fora de casa ou ficou tanto tempo longe sem avisar previamente.
Publicidade
‘Estamos desesperados e não sabemos o que fazer’
Empenhada nas buscas, a dona de casa Carla Ribeiro da Silva, de 40 anos, divide o tempo à procura do filho com os serviços domésticos. “Estamos mobilizados, há 20 dias, para encontrar o meu filho. Como todo jovem, gostava de sair com os amigos. Ninguém confirmou ter visto o Everton nessa festa. Isso nos faz pensar que ele pode ter desaparecido antes de chegar ao evento. Estamos desesperados e não sabemos mais o que fazer. Fazemos um apelo, às pessoas que, porventura, tenham notícias sobre o Everton, para telefonarem para a polícia”, disse, emocionada, a mãe do rapaz.
Publicidade
Informações- O caso está sendo investigado pelo setor de Descobertas de Paradeiros da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF). A delegacia deixa à disposição da população o telefone (21) 98596-7442 (whatsapp) e ressalta a importância da colaboração com informações e denúncias, com garantia de total anonimato.


Baixada: sumiços recorrentes estariam ligados à falta de empenho nas investigações, segundo sociólogo
Publicidade
Entre as sete Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP), a Baixada Fluminense (RISP3) é a segunda com maior incidência de desaparecimentos no Estado do Rio de Janeiro, com 602 casos registrados, de janeiro a setembro, em 2020. No mesmo período, só foi superada pelas Zonas Oeste e Norte (RISP2), que anotaram 642 ocorrências. As duas regiões somam, aproximadamente, 50% do total registrado em todo o Estado, que totaliza 2.430 casos, conforme dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).
Para sociólogo Adriano de Araújo, o elevado número de ocorrências, nestas regiões, se deve, sobretudo, à falta de empenho nas investigações e às falhas nos processos em andamento na Justiça, que corroboram para a sensação de impunidade. Coordenador executivo do ‘Fórum Grita Baixada’, Araújo ressalta que o cenário torna-se preocupante à medida que as autoridades ignoram os números relativos aos desaparecimentos, acumulando nas ‘gavetas’ as pautas de políticas públicas para a segurança. Araújo reitera, ainda, que, a exposição das famílias em busca dos desaparecidos, o medo de represálias e a ‘condenação social’ agravam ainda mais o problema dos sumiços na região.
Publicidade
“Observamos com preocupação o aumento do número de pessoas desaparecidas. Basta uma rápida olhada nas redes sociais, para verificarmos a proliferação de avisos semanais sobre desaparecidos. São casos em que as famílias se expõem e tentam localizar a pessoa ou o corpo, fazendo apelos na Web. Por medo de represálias ou por temer uma ‘condenação social’, mesmo que proveniente das autoridades policiais, muitas delas acabam por não tornar pública a busca da pessoa ou, no pior dos cenários, do corpo”, explica o sociólogo.
Araújo chama a atenção também para exposição das famílias, que, em muitos casos, em meio à dor da ausência, usam meios próprios para procurar os desaparecidos. “Sem apoio das instituições e a indiferença da polícia, eles fazem todo o trabalho de divulgação do desaparecimento e realizam a ‘investigação’ sobre o paradeiro dos desaparecidos. Se, por acaso, o desaparecido tiver passagem pela polícia, as chances de busca são praticamente iguais a zero. Essas famílias são desestimuladas a prosseguir e se veem abandonadas a própria sorte. Outras sequer buscam a polícia, ao suporem o envolvimento de agentes públicos no próprio desaparecimento”, analisa o pesquisador.

Recorrência de ‘desaparecimentos forçados’
Publicidade
De acordo com especialistas, a Baixada Fluminense ainda carece de políticas de segurança públicas eficazes para conter três dos principais problemas da região: o domínio do tráfico de drogas, o aumento da violência policial e a proliferação de milícias. Para o sociólogo Adriano de Araújo, os desaparecimentos forçados, por exemplo, aumentaram por conta do vácuo deixado pelas autoridades.
O desparecimento forçado de pessoas é definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) “como a privação de liberdade executada por agentes do Estado ou por pessoas e grupos agindo com sua cumplicidade, seguida da recusa em reconhecer que o fato aconteceu e da negação em informar o paradeiro ou destino da pessoa. Quando praticado de modo sistemático contra um segmento específico da população (movimentos políticos, membros de uma religião ou etnia) é um crime contra a humanidade, que não pode ser anistiado. Os tratados internacionais proíbem os desaparecimentos forçados em qualquer circunstância, mesmo durante guerras”.

“No contexto desses desaparecimentos, temos, também, casos de assassinatos, seguidos da ocultação do corpo. Em comum, temos a reincidência de ocorrências envolvendo jovens e adultos, homens negros e moradores de locais periféricos. Trata-se basicamente do mesmo perfil dos homicídios dolosos e dos mortos por agentes de estado em ações policiais nas mesmas áreas. Alguns pesquisadores, procuram estabelecer uma correlação entre a redução oficial do número de homicídios e o aumento desse tipo de desaparecimento, algo que seria mais fácil de compreensão caso tivéssemos uma categoria de pesquisa específica, correlacionando aos casos de desaparecimentos forçados; lembramos que sequer temos uma legislação específica sobre o tema, apesar de o Brasil ter se comprometido internacionalmente em trabalhar nessa direção”, explica o sociólogo.

Sem previsão para criação de delegacia especializada, Estado inaugurou núcleo para atendimentos às famílias de desaparecidos na Baixada
Publicidade
Diante do apelo público, a Baixada Fluminense foi escolhida para sediar o primeiro núcleo de atendimento às famílias de desaparecidos, em todo o Estado. Capitaneada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, o centro de atendimento foi inaugurado, no último dia 1º de setembro, em Queimados. O núcleo oferece apoio jurídico, social e psicológico aos familiares dos desaparecidos.

"A Baixada Fluminense registra os maiores índices de desaparecimento de pessoas no Estado. Esse núcleo de desaparecidos é o primeiro do Brasil", ressaltou, na ocasião, o subsecretário de Estado de Direitos Humanos, Thiago Miranda.

A despeito da imprevisibilidade de criação da delegacia especializada, a coordenadora estadual do setor de Prevenção e Enfretamento aos Desaparecimentos de Pessoas, Jovita Belfort, credita à criação do núcleo um passo importante para atenuar o sofrimento das famílias de desaparecidos na Baixada Fluminense.
“São centenas de famílias que precisam de uma escuta qualificada e orientações para auxiliá-las nos trâmites relativos aos casos de desaparecimentos. Enquanto lutamos pela criação da delegacia especializada, a chegada do núcleo é um avanço na implementação de política públicas, pois teremos recursos do Estado ao enfrentamento de um problema que atinge muitas pessoas”, ressalta Belfort.