Rio de Janeiro 19/02/2020 - Os Carnavalescos da Grande Rio Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Foto: Luciano Belford/Agencia O DiaLuciano Belford/Agência O Dia

Rio - A Acadêmicos do Grande Rio pede a licença a Exu para que ele abra os caminhos na conquista do título de campeão do Carnaval carioca. Com o enredo "Fala, Majeté! Sete Chaves De Exu", a agremiação de Duque de Caxias presta uma homenagem ao orixá com base em provocações de importantes nomes, como as escritoras Conceição Evaristo e Helena Theodoro, o historiador Luiz Antonio Simas e muitos outros pensadores brasileiros. Este é o segundo Carnaval da escola de samba sob o comando de Leonardo Bora e Gabriel Haddad.
Nas religiões de matriz africana, Exu representa a comunicação entre os seres humanos e as outras divindades. Os fiéis costumam buscar o orixá para pedir ajuda na abertura dos caminhos, ultrapassar obstáculos e conquistar objetivos. Ao O DIA, Leonardo Bora sustentou que um dos grandes ensinamentos que o desfile da Grande Rio tem para o público é a desconstrução de estereótipos e preconceitos.
"Queremos contribuir para um debate que é um pressuposto do enredo de que Exu não é o 'diabo' do teatro colonial. Exu é uma energia múltipla. Exu é circularidade, é comunicação, é um caminho, encruzilhada e troca. Exu é uma pulsão de vida, é potência poética, é um dos grandes temas da arte contemporânea brasileira. Ele está presente em diversas manifestações culturais Brasil afora, está presente no nosso dia a dia, nas mesas dos bares, nas calçadas, nas trocas nos mercados e nas feiras. Ele está nos ritos sagrados do Candomblé e nos ritos sagrados e profanos das escolas de samba", comentou o carnavalesco.
Para mostrar essa dualidade de Exu, a Grande Rio vai retratar o antigo lixão de Jardim Gramacho, que foi desativado em 2012 após funcionar por mais de 30 anos. "Estamira, personagem cuja a visão ajuda a costurar a narrativa do nosso enredo, se comunica com Exu por meio de um telefone descartado. Isso levanta reflexões muito poderosas sobre o que é o lixo, se a matéria daquelas coisas que eram descartadas pela sociedade ou se é um conjunto de valores dessa sociedade apodrecida, deteriorada", pontuou.
O carnavalesco também comentou a contribuição ao desenvolvimento do enredo dos grandes nomes da intelectualidade brasileira. "Conceição Evaristo foi fundamental para a pesquisa, porque ao visitar o barracão da Grande Rio, ela atinou para algo muito interessante. O fato que Arthur Bispo do Rosário [artista plástico], ao confeccionar uma capa e uma coroa para Exu, estava se reconectando, se religando, com a sua ancestralidade. É da Conceição uma leitura muito profunda sobre a ideia de corpo coletivo, que é uma das potências de Exu", analisou.
Para ele, o processo de construção do enredo se debruçou no diálogo entre os estudiosos e o torcedor da Grande Rio. Para o cortejo deste ano, Bora e Haddad elaboraram uma narrativa sobre as histórias que envolvem o orixá. "Nós conversamos com Alberto Mussa [escritor], Helena Teodoro, Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino [escritor] durante o processo de feitura do enredo, que representa um pouco do nosso ritmo de trabalho, bastante dialógico. Nós estabelecemos uma teia além de toda interlocução do tricolor de Caxias, que pedia uma continuidade de uma linha de enredos que tratassem da afrobrasilidade, das religiões de matriz africana, remetendo de alguma forma às origens da escola", explicou.
No comando da agremiação de Duque de Caxias pelo segundo Carnaval, Leonardo Bora também relembrou o momento em que assumiu o posto de carnavalesco, ao lado de Gabriel Haddad. Desta vez, ele enxergou um processo de criação mais tranquilo, já que o trabalho da dupla foi consolidado com o vice-campeonato de 2019.
"Nossa estreia enquanto carnavalescos do grupo Especial, por óbvio, gerava uma série de dúvidas. A começar pelo fato de que eu e Gabriel gostamos da utilização de materiais não tão convencionais do universo carnavalesco, da busca por uma linguagem estética não-óbvia, do diálogo com outras referências artísticas que não aquelas já consolidadas no universo das escolas de samba", disse.
O carnavalesco ainda confessou que a maior dificuldade que enfrentou na elaboração do desfile foi o novo contexto causado pela pandemia da covid-19. "A Grande Rio vai desfilar depois de um adiamento, depois de um cancelamento, num contexto de perseguição às escolas de samba, de tentativas sucessivas de enfraquecimento e de demonização das escolas de samba. Então é um contexto muito difícil, muito duro, muito complicado", admitiu Leonardo Bora, que continuou:
"Entender esse contexto e subvertê-lo, transformando isso em arte, em potência poética, foi uma grande dificuldade. Um contexto enlutado, todas as escolas perderam muitos entes queridos e um contexto de reconstrução, de reconexão das escolas com a cidade, com a Avenida Marquês de Sapucaí. No caso dos ensaios técnicos, nós tivemos uma excelente resposta do público e acreditamos que será um belo Carnaval de abril, dentro desse contexto inédito".
O samba-enredo "Fala, Majeté! Sete Chaves De Exu" é de autoria de Gustavo Clarão, Arlindinho Cruz, Jr. Fragga, Cláudio Mattos, Thiago Meiners e Igor Leal. Neste ano, os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora assinam pela segunda vez o desfile da Acadêmicos do Grande Rio.
No último Carnaval, a agremiação de Duque de Caxias conquistou o vice-campeonato do grupo Especial carioca. Em 2019, a agremiação de Duque de Caxias apresentou o samba-enredo "Tata Londirá: O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxias", de autoria de Derê, Robson Moratelli, Rafael Ribeiro e Toni Vietnã.
Confira o samba-enredo:
 
Confira a letra: 
Boa noite, moça; Boa noite, moço!
Aqui na terra é o nosso templo de fé
Fala, Majeté!
Faísca da cabaça de Igbá
Na gira
Bombogira, Aluvaiá!

Num mar de dendê
Caboclo, andarilho, mensageiro
Das mãos que riscam pemba no terreiro
Renasce Palmares, Zumbi Agbá!

Exu! O Ifá nas entrelinhas dos Odus
Preceitos, fundamentos, Olobé
Prepara o padê pro meu axé

Exu Caveira, Sete Saias, Catacumba
É no toque da macumba, saravá, alafiá!
Seu Zé, malandro da encruzilhada
Padilha da saia rodada, Ê Mojubá!

Sou Capa Preta, Tiriri, sou Tranca Rua
Amei o Sol, amei a Lua, Marabô, alafiá!
Eu sou do carteado e da quebrada
Sou do fogo e gargalhada, ê Mojubá!

Ô, luar, ô, luar, catiço reinando na segunda-feira
Ô, luar, dobra o surdo de terceira
Pra saudar os guardiões da favela
Eu sou da Lira e meu bloco é sentinela
Laroyê, laroyê, laroyê!

É poesia na escola e no sertão
A voz do povo, profeta das ruas
Tantas Estamiras desse chão
Laroyê, laroyê, laroyê!

As sete chaves vêm abrir meu caminhar
À meia-noite ou no Sol do alvorecer
Pra confirmar

Adakê Exu! Exu, ê, Odará
Ê Bará ô, Elegbará!
Lá na encruza, a esperança acendeu
Firmei o ponto, Grande Rio sou eu!

Adakê Exu! Exu, ê, Odará
Ê Bará ô, Elegbará!
Lá na encruza, onde a flor nasceu raiz
Eu levo fé nesse povo que diz
Ficha técnica:
Nome: Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio
Posição do desfile: décima primeira escola a desfilar
Dia e hora: domingo, 2h
Cores: Vermelho, Verde e Branco
Presidente: Milton Abreu do Nascimento
Presidentes de Honra: Jayder Soares, Leandro Soares e Helinho de Oliveira
Carnavalescos: Leonardo Bora e Gabriel Haddad
Rainha de Bateria: Paolla Oliveira
Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Daniel Werneck e Taciana Couto
Intérprete: Evandro Malandro