Carol Chiovatto é a autora de ’Árvore Inexplicável’Divulgação
“A escolha pela fantasia urbana veio quase naturalmente. Esse gênero traz possibilidades muito instigantes de discutir a cidade, os problemas urbanos, o cotidiano claustrofóbico, reconhecíveis para os leitores, ao mesmo tempo jogando uma luz mágica sobre os acontecimentos. É uma quebra de monotonia”, explica Carol, que faz questão de citar nomes nacionais como Eric Novello, Felipe Castilho, Jim Anotsu e Giulia Moon como suas inspirações literárias.
Ambientado em São Paulo, “Árvore Inexplicável” aborda a relação do homem com a natureza, além de ser cheio de mistério, aventuras e romance. Na obra, a protagonista Diana é uma jovem universitária que, em meio a sua exaustiva rotina nos transportes públicos de São Paulo, testemunha fenômenos que mais ninguém parece perceber: uma névoa colorida próxima a determinadas árvores. Mais tarde, ela descobre que suas visões fazem parte de um ecossistema complexo, alvo de conspirações e jogos de interesse. Com isso, ela terá que lutar para proteger as espécies ameaçadas e também para proteger as pessoas que ama.
“Em 2019, teve aquele incêndio no Pantanal. Todo mundo tirando foto e postando nas redes sociais o céu preto em São Paulo, encoberto, quase noturno mesmo às três da tarde. Não são imagens fáceis de esquecer. Assim como a (imagem) do Rio Doce antes e depois da quebra da barragem em Mariana. Existe um discurso muito forte enaltecendo práticas predatórias que desconsideram o fato óbvio de que o ser humano é parte da natureza e precisa dela”, diz Carol sobre o que a levou a escolher as questões ambientais como tema de seu novo livro.
“Parece que quanto mais os cientistas falam sobre mudanças climáticas e antropoceno, mais tentam fazê-los passarem por loucos, exagerados. E, bem, eu moro em São Paulo a minha vida toda. Aqui era a terra da garoa, certo? Hoje em dia, mal se vê garoa. Tivemos períodos horríveis de estiagem, as represas no nível morto… Parece que só reparamos nessas coisas nos momentos críticos, mas precisamos pensar nelas com mais frequência”, completa.
Representatividade
Doutora em Letras, com uma pesquisa sobre a figura da bruxa como estereótipo do feminino transgressor, Carol sempre traz muita representatividade para seus livros, seja com protagonistas mulheres ou com personagens LGBTQIA+. “(A representatividade) É uma preocupação minha e das pessoas à minha volta, na verdade, colegas escritores e editores, pessoas que admiro e me inspiram… A literatura não tem como atender à sua vocação de crônica do seu tempo se ela ignorar a multiplicidade de experiências e existências, ainda mais num país como o Brasil. Ou, no meu caso específico, numa cidade como São Paulo”, diz a autora.
“Eu cresci lendo obras incríveis em que a maior parte dos protagonistas eram homens incríveis. Eu me identificava com eles, porque, afinal, acompanhava sua trajetória e em muitas ocasiões estava dentro da cabeça deles, mas ficava chateada que as mulheres apareciam como prêmios ou antagonistas. Quando comecei a me dar conta de que isso acontecia porque os autores eram quase sempre homens, procurei obras de mulheres. Foi uma satisfação”, relembra Carol, que tenta fazer com que suas heroínas não tenham que carregar sempre o fardo de serem infalíveis.
“Ao mesmo tempo, por volta dessa época, esse discurso de ‘mulheres fortes’ começou a ganhar força na mídia. E o que esse termo quer dizer? Gosto da sua definição de não se deixar abater, mas ainda sinto que isso pressiona um pouco a mulher que não consegue nadar contra a corrente. Seria ela fraca? Existem situações tão opressoras em que só sobreviver já é admirável. Ninguém é forte o tempo todo”, analisa Carol.
Covid-19
Apesar de não ser o foco do livro, “Árvore Inexplicável” se passa durante a pandemia da covid-19. Para Carol Chiovatto, escrever sobre esse período foi “doloroso”, mas também “libertador”.
“A pandemia é pano de fundo de dois terços da narrativa, mas não é o foco, então isso me permitiu discutir o que estava acontecendo sem me debruçar demais no sofrimento coletivo. O caos dos horários de pico na cidade de São Paulo sempre me pareceu opressor, especialmente porque conto com o transporte público. Passei uns bons dez anos da vida saindo de Guarulhos e indo para São Paulo trabalhar e estudar, assim como quase meio milhão de pessoas todos os dias. Então, o caos da Grande São Paulo aparece com frequência nos meus textos de fantasia urbana. Mas aí veio a pandemia e não tem nada mais aterrorizante do que essa cidade vazia”, afirma.
“(Nada mais aterrorizante) Do que saber que as pessoas não estavam enchendo as passarelas e escadas rolantes das estações de baldeação do metrô e do trem, ou as ruas tradicionalmente mais movimentadas da cidade, porque estavam, na melhor das hipóteses, em casa. Na pior, morrendo. E viver esse choque ao mesmo tempo em que observava os discursos negacionistas causava uma sensação de impotência muito dolorosa. Escrever é a única salvação possível, às vezes”.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.