Rio - Uma cena digna de filme deixou os cariocas perplexos na noite de 14 de novembro deste ano. Depois de uma forte ventania, o São Luiz, um petroleiro de 63 mil toneladas e 244 metros de extensão, colidiu com a Ponte Rio-Niterói. De acordo com a Companhia Docas, a embarcação estava em completo abandono e em avançado estágio de deterioração.
Fato é que, parafraseando Shakespeare, há muito mais coisas entre o céu e a Baía de Guanabara do que supõe nossa vã filosofia. E essa máxima serve para todos os mares e oceanos. O jornalista norte-americano Ian Urbina já havia relatado as mais variadas transgressões e crimes que ocorrem em alto mar em seu livro "Oceano Sem Lei", lançado no Brasil pela Intrínseca.
Ele percorreu mais de 400 mil quilômetros, visitou 40 cidades de todos os continentes e navegou mais de 12 mil milhas náuticas por cinco oceanos e 20 mares para oferecer um relato sobre as vidas que se perdem na imensidão azul.
O livro teve origem em uma série de reportagens escritas pelo autor e publicadas pelo The New York Times, que rendeu a Urbina sete importantes prêmios e foi o ponto de partida para a criação de "The outlaw ocean project" — organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos que produz histórias de grande impacto sobre a ilegalidade e a diversidade de abusos que ocorrem em alto-mar em todo o mundo.
Em tom de diário de viagem, o jornalista conta histórias de coragem, brutalidade e sobrevivência ao revelar uma rede global de crime e exploração vinculada às indústrias da pesca, do petróleo e da navegação, fundamentais para a economia mundial.
“Meu objetivo não era apenas relatar a situação difícil dos escravos embarcados, mas também dar vida ao elenco completo de personagens que vagam pelo alto-mar. Esse elenco incluía ambientalistas justiceiros, ladrões de naufrágios, mercenários marítimos, baleeiros insubordinados, cobradores de dívidas, barcos que oferecem aborto em alto-mar, descarregadores de óleo clandestinos, caçadores difíceis de pegar, marinheiros abandonados e clandestinos à deriva”, conta Urbina.
O Brasil tem destaque no capítulo que relata o embate entre pesquisadores brasileiros e companhias interessadas em perfurar o solo oceânico em nosso litoral. Essas empresas ganharam, em 2013, concessão do governo para explorar a área em busca de petróleo, mas desistiram depois que o Greenpeace auxiliou os cientistas na realização de um estudo que provava a existência de corais na área de recifes — um ecossistema vivo e rico que fornece proteção e alimentação a diversas formas de vida marinha.
Oceano sem lei lança luz sobre a legislação praticamente inexistente que permite casos como o vazamento de 5 mil toneladas de óleo na costa brasileira em 2019 — cuja origem até hoje é desconhecida. Com riqueza de detalhes, Ian Urbina traz à tona, pela primeira vez, a realidade perturbadora do mundo flutuante que nos conecta: um lugar onde qualquer um pode fazer qualquer coisa porque ninguém está vigiando.
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