Renata Storino, mãe de Giovana e Beatriz, resolveu se mudar para Braga quando as meninas tinham 10 e 13 anos, respectivamente. Apesar dela e do marido terem empregos estáveis no Brasil, morar em outro país passou a ser uma possibilidade devido, especialmente, à violência. "Ele teve algumas oportunidades para irmos para os EUA ao longo dos anos, mas eu não queria abrir mão da minha carreira. Porém, com o medo cada vez mais presente, temia pelas minhas filhas irem até a esquina e, então, resolvemos que seria o momento de dar um passo em relação à mudança de país. Conversamos com elas, explicamos que queríamos que tivessem qualidade de vida e não vivessem uma rotina de condomínio para sempre, até porque isso seria impossível. Então, optamos por Portugal, principalmente pela família do meu marido já morar aqui, ou seja, não chegaríamos sem conhecer ninguém. Além disso, o fato de ser um local seguro onde tudo funciona, desde as escolas e os hospitais até o transporte, todos públicos, só reafirmou a escolha", conta. Mas Renata faz um alerta: "não acho que qualquer família se adapte rapidamente à mudança. Quem está acostumado com a agitação das grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, talvez tenha um pouco mais de dificuldade. Os portugueses são mais tranquilos, mais pacatos. Gostam de sair e se divertir, claro, mas nada fecha muito tarde, as pessoas são mais caseiras. Além disso, quem gosta de calor pode ter, pelo menos no início, problemas com o clima, que é muito mais frio. Mas nada que assuste, é só uma questão de tempo para se acostumar mesmo".
De fato, o planejamento é “a alma do negócio” para quem pretende mudar de país, especialmente para famílias com crianças. Mas, mesmo com tudo organizado, muitas vezes apenas quando se chega no destino é possível ter a certeza das escolhas arquitetadas. A designer de interiores Cristiane Carvalho, que vive em Setúbal há quatro anos e é mãe de Natan, de 6 anos, e Ana Julia, de 13 anos, conta que, antes de tudo, os adultos – ou responsáveis pela mudança – precisam entender que viver é diferente de passear, ou seja, aquela cidade que foram passar férias, que parecia ser perfeita, nem sempre terá campo para a carreira da pessoa, nem sempre o clima será o indicado para quem tem membros alérgicos na família, entre outros desafios que muitas vezes são esquecidos ao pensar em uma mudança. “Nosso planejamento inicial era morar no Porto. Mas percebemos que nosso filho teria muitos problemas, já que lá é frio. Então decidimos ficar um tempo em Almada, que é ao lado de Lisboa. E fomos testando os locais, descendo um pouco. Quando chegamos a Setúbal, percebemos que tinha algo mais parecido com o Rio de Janeiro, inclusive a questão das praias. Então, decidimos ficar aqui. O que quero dizer com isso é que, apesar do planejamento ser essencial, inclusive em relação ao valor que as famílias devem ter como reserva até se estabilizar no local, nem sempre tudo acontece como pensado. E quando há crianças envolvidas, é necessário pensar na infra que seu filho pode precisar em algum momento”, explica.
Outro ponto que Cristiane considera fundamental para as crianças se adaptarem à Portugal ou qualquer outro país é “levar” algo da realidade daquela criança no Brasil para onde está indo. “Crianças são apegadas aos seus espaços. Elas sentem falta do quarto, dos amigos, da rotina. Não que os adultos não sintam, mas para os pequenos é mais complicado entender o porquê de estarem se mudando, mesmo com os pais e responsáveis tendo explicado muitas vezes”, diz. “Muitos brasileiros acabam me procurando ao chegar aqui para criar um projeto novo para onde vão morar e eu sempre falo que, apesar das adequações por ser um novo país, é preciso manter traços da casa que deixaram para trás, porque isso trará boas memórias, ajudará a amenizar a saudade e dará a sensação de que aquele novo espaço é, de fato, um lar como tinham antes”, pontua.
A seguir, Cristiane fala um pouco sobre decoração, mudança, adaptação e o conceito de "lar doce lar", ainda que em outro país.
- Para toda boa adaptação é necessário tempo. Então, conversar e pensar no conforto de todos na nova casa, especialmente dos pequenos, ajuda muito no processo;
- A maioria das famílias em Portugal busca proporcionar certa individualidade para as crianças. É uma prática muito comum em Portugal dar ensinamentos para que a criança se torne bem independente e responsável desde pequena. E, para isso, normalmente cada filho tem um quarto, para que “tome conta” daquele ambiente;
- Diferentemente do que acontece no Brasil, em que os quartos recebem muita atenção na hora da decoração, em Portugal, o maior investimento e valorização vão para a cozinha, a sala e as marquises (varandas fechadas) ;
- Na mudança para outro país, o melhor é levar apenas o essencial. Eu, por exemplo, trouxe apenas pertences de maior valor agregado sentimental. Deixamos muitas roupas, sapatos etc. Estas coisas achamos melhor renovar. E vez ou outra, quando vamos ao Brasil, trazemos mais alguma coisinha, pequenas, bobas, mas que depois de tanto tempo acabam fazendo falta;
- Muitas famílias perguntam se é melhor investir na compra de um imóvel ou alugar. Se existe a pretensão de ficar mesmo em Portugal, o melhor negócio é sempre a compra. A vista se consegue melhor negociação. Mas mesmo quem opta pelo financiamento do imóvel fica mais barato que o do arrendamento – aluguel;
- Transformar um imóvel de outro país em um lar, por mais bonito que seja o espaço, muitas vezes não é tão fácil. Costumo dizer que é preciso desapegar para se preparar para a nova realidade, mas às vezes a própria decoração do imóvel e escolha do local pode conter traços que leve os pensamentos à Terra Natal. E essa memória afetiva pode ajudar, e muito, na adaptação, especialmente das crianças e adolescentes;
- Não estranhe se seus filhos precisarem de tempo para a adaptação, tanto cultural, quanto climática. Para facilitar esse processo, se você puder escolher, opte por uma região que agrade a todos. Afinal, como dito anteriormente, não são férias, mas um novo lar;
- Para ajudar a tornar a mudança mais confortável para as crianças e a família como um todo, leve um pouco do estilo de sua casa no Brasil. Nós, por exemplo, procuramos inserir no dia a dia dos nossos filhos o que eles gostavam de fazer no Brasil e incluímos novidades que sabíamos que iriam encantar. Por exemplo, montamos um painel gigante para colocar fotos na nova realidade com outras que levamos de lembranças divertidas do Brasil. Dessa forma, ajudamos eles a encararem a mudança e saber que sentir saudades é normal, mas que o novo pode ser bom também;
- Não se assuste se, em alguns momentos, houver questionamentos sobre a mudança ter sido o melhor caminho. Em datas comemorativas, por exemplo, é comum isso acontecer, pois é o tempo de união e reuniões. Mas, no geral, no dia a dia, a maioria tem a certeza de ter feito a melhor escolha para ter melhor qualidade de vida;
- Aqui, o futuro da criança não depende apenas dos pais. As escolas acompanham as crianças desde cedo. Meu filho, por exemplo, é acompanhado de perto por nós e pelas instituições, que estimulam a organização desde pequenos - dos brinquedos, momento de ficar em silêncio para respeitar o filme, pedir licença sempre para ir a algum lugar, cumprir horário para os mais crescidos etc são atitudes comuns entre os pequenos;
- Para as famílias que querem levar seus animais, não há problemas, mas precisam do chip e das vacinas exigidas por lei. O mais importante aqui é verificar o local onde irá morar, se permite animais;
- No Brasil, normalmente, as famílias fazem festas de aniversário no play ou em casas de festas. Aqui comemora-se muito no infantário ou em casas de festas. Inclusive, quando estamos no verão, encontramos algumas comemorações no estilo piquenique. Mas um detalhe: as festas para crianças são para as crianças, e não para adultos também. Os pais levam as crianças e buscam depois, não ficam no local.