Campo do Bomba, em Duque de Caxias
Campo do Bomba, em Duque de CaxiasReprodução/Google Maps
Por O Dia
Duque de Caxias - Especialistas criticaram a obra para a implantação da Central de Abastecimento do Rio de Janeiro (CEARJ) no Campo do Bomba, em Duque de Caxias. O assunto dominou a Audiência Pública Virtual da Região Metropolitana da Alerj, presidida pelo deputado estadual Waldeck Carneiro, na última semana. De acordo com o professor da UERJ, Adacto Ottoni, o local é um amortecedor natural de inundações e, com o aterramento realizado pela obra, a impermeabilização do solo aumenta, reduzindo drasticamente o serviço de 'pulmão de água' contra enchentes.
"Com as dragagens criminosas que estão sendo feitas no local, o lençol freático que existe ficará elevado e não conterá as águas. Independentemente de chuvas haverá alagamento na região, levando a prejuízos econômicos e danos à saúde pública, aumentando a umidade nos imóveis e gerando problemas respiratórios nos cidadãos", revelou.

O presidente da Comissão da Região Metropolitana, Waldeck Carneiro, abriu o evento virtual ressaltando que a Alerj não quer ser uma uma "trincheira" para a construção da central de abastecimento.
Publicidade
"Porém, achamos o local inadequado, pois possui especificidades histórico-arqueológicas, já que ali havia um quilombo; e ambientais, porque aquela área é um pôlder, ou seja, possui uma estrutura de amortecimento para inundações. Este processo de aterramento para fins de construção naquela localidade pode ter graves repercussões para as populações ribeirinhas, que moram no entorno dos rios Sarapuí e Iguaçu, e também para outros municípios, como Nova Iguaçu, São João de Meriti, Mesquita, Nilópolis e Belford Roxo, que podem sofrer com o espraiamento das águas nas enchentes. Há necessidade de fazer e apresentar estudos prévios, como o Relatório de Impacto Ambiental, o EIA-RIMA", disse o deputado, que solicitou à Prefeitura de Duque de Caxias a suspensão imediata da obra para que estes estudos sejam viabilizados.
O Secretário Municipal de Urbanismo do município, Leandro Guimarães, um dos participantes da audiência, revelou que a gestão está fazendo uma avaliação sobre a questão, já que o pedido também adveio do Ministério Público Federal (MPF).

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) já iniciou o estudo para avaliar os impactos da criação da central de abastecimento no local. A análise foi solicitada ao Inea pelo Ministério Público Federal (MPF), no início deste mês, e tem prazo de conclusão de 90 dias.
Publicidade
"Já começamos as visitas ao terreno e estamos trabalhando dentro do prazo estipulado pelo MP. Será apresentado um parecer técnico ambiental, com estudos hidrológicos e de flora e fauna, considerando a complexidade da área. O Campo do Bomba está numa área mais frágil hidrologicamente", lembrou Isabele.
Ela ainda destacou que será necessário um Relatório de Impacto Ambiental (EIA RIMA) - para interpretar qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas da área, além de uma análise dos impactos de tráfego. "Vai aumentar o número de carros circulando na região e isso precisa ser levado em consideração também", frisou a superintendente do Inea.

Inundações

Os técnicos avaliam que, em chuvas fortes, sem este amortecimento natural, os níveis dos rios Sarapuí e Iguaçu vão transbordar. Se for em fase de maré alta, não há para onde esta água escorrer. Isso afetará toda a bacia dos dois rios. O ganho econômico da Prefeitura de Caxias e dos empresários seria imediato, mas as consequências ambientais, caríssimas.
Publicidade
"Essa área, ao invés de ser impermeabilizada, deveria ser recuperada como uma área de Proteção Ambiental (APA), transformando sua vegetação para proteger o município contra inundações", afirmou Adacto. Segundo o professor, áreas já ocupadas irregularmente devem ser recuperadas, preservando a área do Campo do Bomba como área de preservação ambiental.
"Não se deve considerar a construção da CEARJ no Campo do Bomba com a justificativa de que a área vai ser ocupada irregularmente. Ao contrário, deve-se preservar a área com a sua característica de fauna e flora naturais, mantendo-se os seus essenciais serviços ambientais, especialmente de 'pulmão' no controle de inundações na região", avaliou.

O presidente da Comissão da Região Metropolitana, deputado Waldeck Carneiro, lembrou que a construção será importante para o desenvolvimento da Baixada Fluminense, mas se mostra preocupado quanto aos impactos ambientais e a falta de estudos técnicos até o momento.
Publicidade
"Essa é uma obra ampla e precisa ser muito bem estudada, precisamos adequar a área para esse empreendimento. Não sabemos ainda qual vai ser a destinação de 83% desse espaço e isso nos preocupa", afirmou Waldeck.

Reocupação

O secretário municipal de Urbanismo de Duque de Caxias, Leandro Guimarães, disse que a prefeitura tem dialogado frequentemente com o MPF e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - que detém a posse do terreno e terá que doar o espaço à prefeitura.
"Essa área nunca deixará de ser um espaço público. Queremos fazer uma concessão para empresas que tiverem interesse em investir na região, mas, no final do contrato, o terreno volta para a gestão pública e o Incra terá parte das arrecadações com as concessões", esclareceu o secretário.
Publicidade
Ele também lembrou que a área tem cerca de três milhões de metros quadrados e que os gestores estão planejando o reassentamento dos moradores que vivem na região.
"Tivemos uma ocupação desordenada nas beiras dos rios, mas nos empenhamos nos últimos anos em fazer o reassentamento desses cidadãos. Já realocamos cerca de 1.250 famílias, para que a gente pudesse dar andamento a esse projeto", disse Guimarães.

Pôlder

O local escolhido para o projeto é um pôlder - grande “piscina natural/esponja” - que retém e absorve águas de chuva e dos rios Iguaçu e Sarapuí, que transbordam, especialmente em maré alta, momento em que também retornam ao encontrar a Baía de Guanabara mais alta. A área tem cerca de três milhões de m². O CEARJ pretende ocupar 480.000 m² (o que corresponde a cerca de 16% do total da área) e os “empreendimentos associados”, o restante.

O projeto prevê, ainda, a concessão de uso do Campo do Bomba por 35 (trinta e cinco) anos, renováveis por igual período, por parte da Prefeitura de Duque de Caxias, em favor do Consórcio CEARJ, que se obriga ao pagamento da outorga à prefeitura pelo uso da área, algo em torno de R$ 100 milhões ao longo do período, começando com R$ 1 milhão no primeiro ano.

Campo do Bomba

O Campo do Bomba faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) do São Bento, representando parcela inseparável da mesma do ponto de vista socioambiental, justamente por ser uma área ambientalmente estratégica para o controle de inundações e enchentes, que assolam recorrentemente a Baixada Fluminense. Está situada às margens da rodovia Washington Luís e entre os rios Iguaçu e Sarapuí. Além disso, o local é importante historicamente pela luta do povo negro por direitos, pois ali foi o Quilombo do Bomba, no período colonial. Na região encontra-se outros patrimônios históricos e arqueológicos, como a sede da Fazenda São Bento (século XVI) e um sambaqui com vestígios de habitantes pré-históricos.