Urna eletrônicaPedro Ivo/ Agência O Dia

A uma semana do segundo turno das eleições para a Presidência da República, o uso crescente da religião para fins políticos tem preocupado especialistas. A questão não é de agora, e o debate sobre política e religião existe há muitos anos. No entanto, mais recentemente, o que se tem presenciado é um considerável aumento da intolerância religiosa e da polarização entre grupos que defendem pautas liberais e outros que brigam por pautas mais conservadoras.
“A religião serviu e serve como pretexto para perseguições em diversos momentos da história, das cruzadas medievais aos fundamentalistas dos dias de hoje. E é óbvio que a política foi – e é – o caminho encontrado pelos intolerantes religiosos para violências contra opositores”, explica o deputado e ex-secretário de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, Átila Nunes (PSD).
A partir da ótica de “verdades definitivas”, Nunes conta que os fanáticos são aqueles que acreditam que qualquer fim justifique os meios e que a justiça, seus valores, suas convicções e crenças devem influenciar os governos. “São aqueles que, se julgam algo mau, consideram legítimo procurar eliminá-lo com a sua participação na máquina do Estado”, destaca.
Professor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o babalawô Ivanir dos Santos destaca que política e religião sempre estiveram muito ligadas, mas o crescimento de grupos neopentecostais deu início a uma disputa com a Igreja Católica que, até então, exercia uma maior influência sobre a política. “Sempre houve influência dos grupos hegemônicos religiosos na política, e pouca disputa desses grupos protestantes, que eram minoritários. Mas isso muda nos anos 1970, na ditadura. Pouca gente se lembra, mas o presidente Ernesto Geisel era luterano”, conta Ivanir.
“A questão central que estamos vendo hoje é que esses grupos cresceram e conseguiram fidelizar os votos dos fiéis. Começaram a ter espaço na mídia e então começam a entrar na política e a formar uma bancada defendendo seus interesses. Isso acabou incentivando outros grupos que não tinham a mesma lógica a também entrar na disputa política, usando os partidos não pelas propostas, mas por essa fidelização dos votos”, avalia o babalawô.
Ivanir lembra ainda que esses grupos vêm participando de sucessivos governos, com influências mais discretas no tempo de Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, e com mais força no atual governo. “Ninguém se elege para o Executivo sem negociar com essas lógicas no Legislativo. Isso foi crescendo e ganhando contorno. Eles construíram uma agenda moral, conservadora, autoritária, que tem muito impacto”, conta Ivanir.
Para ele, o que está em jogo não é uma questão de fé e da família. “O que está em jogo é um projeto muito claro, econômico, político, social e cultural. O debate central é a questão da moralidade. Não é a fé, mas um projeto de poder, e a religião não tem que estar nesse espaço público enquanto imposição de fé para a sociedade. Essa manipulação religiosa é perniciosa para a democracia e para o país, da forma como ela está sendo feita”, alerta o professor.
Átila Nunes acrescenta que as religiões que, em princípio, deveriam servir para aperfeiçoar o ser humano, aproximando-o da divindade, têm sido responsáveis por manifestações de fanatismo. “Perseguições, intolerância e práticas deploráveis têm testemunhado o que de pior o ser humano apresenta, atrocidades feitas em nome de Deus”, observa o ex-secretário.
De olho no voto dos evangélicos

No último dia 19, as campanhas dos dois candidatos à Presidência da República promoveram agendas no Rio de Janeiro, um dos estados mais disputados na corrida para o Planalto.

Lula concedeu uma entrevista coletiva às 10h em um hotel em Copacabana, na Zona Sul do Rio, e na sequência rumou para São Gonçalo, na Região Metropolitana, e Padre Miguel, na Zona Oeste da cidade, onde caminhou com eleitores.

A auxiliar de serviços gerais Lucia Vieira de Melo, de 56 anos, acompanhou a passeata de Lula de perto. Evangélica, Lucia diz que a religião não influencia na escolha de seus candidatos e que política e religião não deveriam se misturar.
“Quando eu aceitei Jesus, eu aceitei como meu único salvador. Eu não aceitei partido da direita nem da esquerda. Não aceitei candidato A nem candidato B. Eu sou a favor do Brasil, da igualdade, trabalho, emprego, é isso que eu sou”, disse emocionada.
Já o soldador Demerval Guimarães, de 61 anos, pensa diferente. Também evangélico, Demerval acredita que, em alguns momentos, a política e a religião possam caminhar juntas. “Para resolver algo que interesse ao nosso país, sem guerra, sem críticas, sem impor algo às religiões”, disse o soldador.
Representando o candidato do PL, a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também cumpriu agenda no Rio no mesmo dia. Pela manhã, a primeira-dama participou do comício "Mulheres com Bolsonaro", na Praça Rui Barbosa, no Centro. À tarde, ela foi para o Calçadão de Nova Iguaçu, onde buscou enfatizar os feitos de Bolsonaro em defesa das mulheres e das pessoas com deficiência.

Leonardo Machado, de 23 anos, trabalha como auxiliar administrativo e diz que vai votar no atual presidente e candidato à reeleição. Ele conta que a religião não influenciou seu voto, mas sim os valores e princípios defendidos por ela. Em sua congregação, nos momentos de culto, não se discute política nem há exaltação a políticos. “Aqui, cada um é livre para escolher seus candidatos”, garante Leonardo.
Já a inspetora escolar Adriana Fonseca, de 39 anos, disse que vai votar em Jair Bolsonaro por pensarem da mesma forma. “Eu vim porque quero apoiar meu presidente e vou votar nele porque ele apoia minhas ideias. Eu sou cristã, e como cristã, apoio o não aborto. Voto nele porque, por mais que a pessoa critique o jeito que ele fala, eu prefiro assim, que é espontâneo, do que quem fala bonito e mente”, disse Adriana.