Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, foi atacado por bolsonaristas por conta da roupa vermelhaReprodução/Twitter
Ao mesmo tempo há radicalização de discursos em favor do atual mandatário ou manifestações de apoio ao ex-presidente. Padres, como Paulo Ricardo, da Arquidiocese de Cuiabá, disseram que o momento eleitoral configura uma "luta espiritual" contra o satanás, o aborto e o comunismo.
O arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, por sua vez, teve de explicar por que usa vestes vermelhas — a cor dos cardeais —, marcou posicionamento contra a interrupção da gravidez e chegou a alertar para os riscos do fascismo. "Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!", escreveu dom Odilo, no Twitter no domingo, 16.
Para Vinicius do Valle, doutor em Ciência Política pela USP, especialista em religião e pesquisador do Observatório Evangélico, a atual eleição é o momento de maior tensão política para a Igreja Católica desde a redemocratização. "Não por escolha, mas porque ela foi empurrada. A Igreja Católica não tem manifestações de apoio a um candidato, e, sim, posicionamentos mais ideológicos, que ora se alinham com um (candidato), ora com outro", afirmou Valle.
Agendas
Na segunda-feira, 17, Lula, Bolsonaro, o vice na chapa do candidato à reeleição, general Walter Braga Netto, além da primeira-dama Michelle e da senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), que são evangélicas, marcaram presença em eventos católicos. O time de Bolsonaro foi à Noite de Clamor pelo Brasil - Terra de Santa Cruz, em um ginásio em Brasília. Padre Kelmon (PTB), candidato derrotado no primeiro turno e que não tem ligação com a Igreja de Roma, estava presente.
Com representantes católicos de estados como Goiás e Minas, além do Distrito Federal, o ato foi uma tentativa de mostrar apoio dos católicos. O deputado Eros Biondini (PROS-MG) atuou como chefe da cerimônia. Ele anunciou que era o momento "de retirar satanás". "Os demônios sairão de nossas vidas pelo jejum e pela oração. Estamos levantando um grande clamor pelo nosso país", afirmou. Bolsonaro não havia discursado até a conclusão desta edição.
À tarde, o petista recebeu o apoio de cerca de 200 religiosos, em São Paulo, entre padres, freiras e frades. No encontro com clérigos, Lula reforçou acenos ao eleitorado católico e prometeu manter diálogo aberto com a Igreja. "Eu nunca tinha visto o Brasil tomado pelo ódio como uma parte da sociedade brasileira está hoje", afirmou. "Tenho lido notícias de padres atacados porque estão falando da fome, da pobreza, da democracia", disse o petista. Embora critique a exploração da fé, o ex-presidente recebeu bênçãos de um sacerdote católico diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida.
Alerta
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já se posicionou em nota na qual reprova a atitude dos candidatos de vincular o voto à religião. No texto divulgado no dia 11, véspera das festividades de Nossa Senhora, a entidade afirmou que a união da fé com política "desvirtua valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que precisam ser debatidos e enfrentados no País".
No dia seguinte — feriado da Padroeira —, os episódios de tensão política entre católicos passaram a ser registrados. Bolsonaro esteve no Santuário Nacional em Aparecida, o que levou apoiadores ao local. Bolsonaristas vaiaram a homilia do arcebispo dom Orlando Brandes, discutiram com padres, perseguiram pessoas vestidas de vermelho e hostilizaram profissionais de imprensa.
"O que aconteceu em Aparecida foi muito chocante porque é uma profanação do espaço sagrado, que é quase intocável, em que não se pode brincar", afirmou o cientista social Leon Souza, que monitora redes católicas na organização Casa Galileia. "Isso nunca aconteceu em Aparecida, e não me lembro de ter acontecido em outro evento religioso. Mostra que a violência vai avançando, inclusive em um espaço sagrado, em torno da fé."
Nas redes sociais, neste segundo turno, foram 3 milhões de interações — curtidas, compartilhamentos e comentários —, em 13 mil publicações sobre episódios que envolveram a fé católica e a política brasileira no Facebook e Instagram, segundo dados do CrowdTangle. O pico foi registrado justamente no dia 12 de outubro, quando ocorreram 731 mil interações.
Embates
"Cansei de abrir espaço para católicos superpolitizados, irados e insatisfeitos com nossa Igreja. Estou me retirando até o dia 31 (de outubro)", escreveu Padre Zezinho, na redes sociais. "Já escolheram ser catequizados por dois poderosos políticos brasileiros", afirmou. "Querem um Brasil direitista ou esquerdista."
Para quase 60% da população, a religião é importante na hora do voto, de acordo com pesquisa Datafolha, divulgada na sexta-feira, 14. Segundo levantamento do Ipec divulgada na segunda, Lula soma 56% das intenções de voto ante 38% do chefe do Executivo. A vantagem do atual presidente entre evangélicos é de 28 pontos porcentuais (60% a 32%).
Integrantes da campanha de Lula e apoiadores disseram acreditar que precisam levar ao horário eleitoral na TV e no rádio lacunas que ficaram abertas no debate de domingo, realizado em pool por Band, TV Cultura, UOL e Folha de S.Paulo. Entre os temas que exigem mais explicações ao eleitor estão a corrupção e a religião, por exemplo.
A religiosidade dos católicos, no entanto, é mais flexível, disse Rodrigo Toniol, professor de Antropologia e coordenador do grupo de pesquisa Passagens, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Católicos se alinham com os princípios cristãos e práticas que acreditam na Igreja. Já evangélicos têm de praticar de maneira ortodoxa, indo a cultos, se envolvem na comunidade e acabam sendo mais suscetíveis a opiniões políticas de grupo", disse. (Colaboraram André Borges, Daniel Vila Nova, Eduardo Gayer, Marcela Villar, Luiz Vassallo e Samuel Lima)
Com informações são do jornal O Estado de S. Paulo
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