Por ulisses.valentim

Em fevereiro, o assassinato da modelo Reeva Steenkamp não chocou apenas a África do Sul, mas também toda a comunidade do esporte paralímpico, já que os disparos fatais partiram de seu namorado, Oscar Pistorius. A performance nas pistas e a obstinação que o levou a diminuir a diferença entre atletas com e sem deficiência o transformaram em ícone. O resultado dessa luta foi se tornar o primeiro amputado a correr entre os "normais" tanto no Mundial de Atletismo quanto nos Jogos Olímpicos, ao provar, após indas e vindas nos tribunais, que suas próteses não lhe davam vantagem em relação aos adversários.

Agora, Pistorius depende da Justiça por motivo nada nobre. Em agosto deve ocorrer em Pretória o julgamento pela acusação de assassinato - após passar alguns dias presos, ele aguarda o veredicto em liberdade condicional. Com isso, o sul-africano é a principal ausência do Mundial de Atletismo Paralímpico, com início nesta sexta-feira, em Lyon (FRA).

Como o futuro do sul-africano é uma incógnita, o atletismo paralímpico pode aproveitar a competição para forjar um novo ídolo da modalidade, alguém para receber os holofotes no ciclo para os Jogos Paralímpicos de 2016, no Rio de Janeiro. Nessa corrida, os dois últimos homens a vencerem Pistorius na pista são favoritos: o brasileiro Alan Fonteles e o britânico Jonnie Peacock.

Campeão paralímpico em Londres-2012 na classe T44 (para amputados) nos 200m rasos, após vencer Oscar Pistorius com uma arrancada sensacional nos metros finais, Fonteles pode levar vantagem por disputar mais provas do que Peacock. Em Lyon, o brasileiro estará na pista para correr 100, 200, 400 e revezamento 4x100m rasos, além de chegar à competição como o atleta amputado mais rápido do planeta: bateu o recorde mundial dos 100m em junho, na Alemanha, com o tempo de 10s77. Ele tem quatro chances de conquistar pela primeira vez uma medalha de ouro em Mundiais - ele obteve dois bronzes em 2011.

Fonteles, de 20 anos, sabe que será o centro das atenções, mas garante não se sentir pressionado: "Eu e Peacock estamos entre esses atletas que podem ser reconhecidos como os próximos ídolos do esporte paralímpico. Sim, me acho pronto para isso", afirmou ao iG Esporte , por telefone. "Sempre quis ser o atleta que vai chegar como favorito, trabalho muito para isso, e depois de Londres sei que chamo mais a atenção, mas não me preocupo com o excesso de foco. Sei bem o que fazer na pista", completou o paraense, que teve as pernas amputadas aos 21 anos de vida, em decorrência de uma infecção generalizada.

Jonnie Peacock com a medalha de ouro nos 100m rasos obtida na Paralimpíada de Londres
Peacock, também de 20 anos, especializou-se na prova mais nobre do atletismo e foi um dos heróis britânicos nos Jogos Paralímpicos de Londres ao vencer a final dos 100m rasos - tanto Fonteles quanto Pistorius ficaram fora do pódio na ocasião. É o recordista mundial na classe T44 (10s85), mas com tempo abaixo do registrado pelo brasileiro. Ele chega a Lyon também em grande fase: no fim de junho, venceu o Grand Prix Final, em Birmingham, na Inglaterra, com a segunda melhor marca da carreira (10s99). Confiante, provocou alguns de seus adversários, como o americano Richard Browne, outro que busca um lugar entre os grandes ídolos, em sua conta no Twitter.

Outro ponto a favor de Peacock é a popularidade, altíssima em seu país após a performance em Londres. O evento em Birmingham chegou a receber 4 mil espectadores, número inimaginável até os Jogos Paralímpicos, que registrou público de 80 mil pessoas no dia da final dos 100m - reflexo também da presença de outro ídolo local, David Weir. "Realmente não se sinto pressionado, porque ninguém vai me odiar mais do que eu em caso de derrota. Sou muito confiante", disse o velocista, que teve parte da perna direita amputada aos 5 anos por conta de uma meningite.

Alan Fonteles virou centro de polêmica durante a Paralimpíada de Londres por conta de uma suspeita lançada por Oscar Pistorius em relação à altura de suas próteses, que passaram por inspeção técnica antes da competição, segundo o Comitê Paralímpico Internacional. Após batê-lo na final dos 200m, o brasileiro mostrou-se chateado com a postura do sul-africano, a quem classificou como ídolo, e passou a ressaltar a necessidade de se desvencilhar de comparações: "Graças a Deus deixei ser o Pistorius brasileiro", chegou a dizer um dia após a vitória.

Dez meses depois, Fonteles, ou Alan Oliveira para os estrangeiros, ainda é questionado pela imprensa europeia sobre esse episódio, mas diz não se incomodar: "Estou escrevendo minha própria história", enfatizou. Ele também comentou a situação criminal de Pistorius: "Fiquei muito triste por ele, até custei a acreditar que fosse verdade. Mas isso não é um problema do esporte, a Justiça vai resolver".

Reportagem de Thiago Rocha

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