Daniele da Silva
Daniele da SilvaReprodução
Por Lucas Felbinger e Venê Casagrande
Rio - Nesta quinta-feira, o Flamengo completará 26 meses do dia mais triste de sua história. O incêndio no CT Ninho do Urubu, que resultou na morte de dez jovens das categorias de base do clube - Arthur Vinicius, Athila Paixão, Bernardo Pisetta, Christian Esmério, Gedson Santos, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Rykelmo de Souza Viana, Samuel Thomas e Vitor Isaías -, ainda deixa marcas em quem viveu de perto toda tragédia da manhã de 08/02/2019. É o caso da auxiliar de serviços gerais Daniele da Silva. Primeira pessoa a presenciar o incêndio, ela foi demitida pelo Flamengo no último dia 24 após cinco anos de clube e fez revelações importantes sobre o ocorrido.Em entrevista ao DIA, Daniele deu detalhes das cenas de terror que presenciou naquela manhã. Ela contou como fez para pedir ajuda ao segurança que estava de plantão e revelou que a maioria dos extintores de incêndios utilizados por ele para tentar apagar o fogo não funcionaram. Ao todo, segundo ela, o funcionário recorreu a cinco equipamentos, mas só um funcionou de forma adequada.
"Não usei extintores. Porém, vi que apenas um funcionou, do total de cinco. Neste dia, cheguei por volta de 05h50 ao Ninho, passei pela portaria central, bati meu ponto, dei bom dia ao segurança de plantão e desci. Chegando lá, estava tudo normal. Depois de um tempo, avistei uns atletas na porta do contêiner e uma fumaça preta com clarão saindo pelo teto. Saí correndo para a portaria, onde havia passado alguns instantes antes, e chamei o segurança. Ele veio correndo para ajudar. Quando chegamos em frente ao contêiner, o fogo já estava intenso. Foi muito rápido. Fiquei parada vendo aquilo tudo na esperança de não ter mais ninguém lá dentro. Mas logo saiu um menino e disse: 'tia, tá cheio de gente lá dentro'. Eu pirei na hora. O fogo já tinha tomado conta da única porta de entrada do contêiner", disse Daniele.
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Em entrevista ao "Fantástico", da TV Globo, no último dia 21, Benedito Ferreira, o segurança que é citado por Daniele, também havia alertado que alguns extintores não funcionaram no dia da tragédia. Em seus depoimentos à Justiça, nenhum dos dois ex-funcionários falou sobre a falha, mas garantem não terem sido questionados sobre o tema.
“No início, usei um extintor. Um garoto tentou utilizar o segundo, não funcionou. Me passou, não funcionou. Teve um terceiro, que não funcionou”, afirmou Ferreira.
Daniele da Silva e Benedito Ferreira, funcionários do Flamengo que presenciaram o incêndio no Ninho do Urubu - Reprodução
Daniele da Silva e Benedito Ferreira, funcionários do Flamengo que presenciaram o incêndio no Ninho do UrubuReprodução

"Não falei sobre extintores no depoimento. Não me perguntaram isso. Falei para você o que vi na hora o segurança tentando usar", garantiu Daniele.
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Daniele também diz que teve que voltar a trabalhar no Ninho apenas uma semana após o incêndio, ainda com os escombros da tragédia. Ela pediu ao RH para ser transferida para o CEFAN, onde são realizadas as peneiras do Flamengo, e foi atendida, mas o clube fez com que ela retornasse ao local em diversas oportunidades. Segundo a ex-funcionária, a Justiça determinou que ela não prestasse serviços no CT, o que foi ignorado.
"Uma semana após o acidente, me colocaram para trabalhar no Ninho, ainda com todos os escombros lá. Se não me engano, trabalhei lá em um período de três semanas a um mês. Depois, entrei em contato com a Roberta Tannure (chefe do RH) e pedi transferência. Ela aceitou e me levou para o CEFAN. Em janeiro deste ano, não houve expediente por lá. Me retornaram para o Ninho e tive que trabalhar o mês todo no local do incêndio. Em fevereiro, com a volta das atividades, fui novamente para o CEFAN. No entanto, o Luiz Humberto, Gerente do Ninho, me deslocou novamente para o CT alegando que havia demitido uma funcionária e que eu precisaria cobri-la. Pelo Ministério do Trabalho, eu não poderia voltar para lá, mas ele não quis saber de nada", declarou.
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Em janeiro, quando precisou voltar a trabalhar no Ninho do Urubu a pedido do Flamengo, Daniele gravou um vídeo no local e fez fortes declarações. (veja o vídeo abaixo)
"Estou chegando aqui no Ninho do Urubu. Estou sendo obriada a trabalhar aqui, onde presenciei a morte dos atletas do futebol de base, juntamente tentando prestar socorro, mas não deu. Fizemos o que deu. Infelizmente, esse incêndio deixou dez atletas mortos e alguns feridos. Estou sendo obrigada a trabalhar aqui a mando de Luiz Humberto (Gerente do CT) e a chefona do RH, a Roberta Tannure. Sem condição. Estou me sentindo muito mal. Girando todo o filme na minha cabeça. Cenas de terror. Estou desorientada, mas precisando de trabalho."
Segundo Daniele, faltou bom senso aos responsáveis por deslocá-la ao Ninho do Urubu, que tinham conhecimento de todo trauma que ela viveu no local. A ex-funcionária também alega que em nenhum momento pediu demissão, como foi dito pelo clube.
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"Estavam me explorando no Ninho. Era auxiliar de serviços gerais, mas o Luiz Humberto me colocava na função de camareira, arrumando camas e quartos. Acho que eles não tinham como me manter como funcionária para sempre, mas o Gerente do CT e chefe de RH sabiam do trauma que vivi enquanto eles estavam em suas casas dormindo. Eu tinha dito que se fosse para trabalhar no Ninho, passar esse sofrimento, essa depressão, era melhor que me mandassem embora. Eu não pedi a demissão. Eu falei no ar e eles levaram a sério. Levaram para o coração. Com um salário de R$ 1 mil dentro de uma pandemia, ia preferir ficar sem emprego?", desabafou.
Carta enviada pelo Flamengo comunicando a demissão de Daniele  - Reprodução
Carta enviada pelo Flamengo comunicando a demissão de Daniele Reprodução

Quanto ao suporte que lhe foi dado após o incêndio, Daniele confirma que recebeu e continua recebendo apoio psicológico do Flamengo. No entanto, o clube nunca ajudou na compra de seus remédios, que custam, em média, R$ 150 por mês, segundo ela.
"Me ajudaram e ainda ajudam com tratamento psicológico, mas nunca compraram meus medicamentos. Sempre enviei as receitas para Roberta Tanure (chefe do RH). Ela visualiza as minhas mensagens e nada. Às vezes, fico sem tomar os medicamentos por não ter condições de comprá-los. Eles alegam que compram, mas não é verdade", desabafou.
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A reportagem entrou em contato com o Flamengo na terça-feira e na quarta-feira para ouvir a posição do clube. Nos dois dias, a resposta dada foi que "o departamento jurídico disse que poderá se manifestar na sexta-feira, após o término do lockdown (no Rio de Janeiro), quando o clube deverá reabrir".
O DIA também pediu um posicionamento de Roberta Tannure, chefe do RH, e Luiz Humberto, Gerente do CT, funcionários do Flamengo citados por Daniele durante a entrevista, e o retorno foi: "qualquer tipo de posicionamento partirá do departamento jurídico".