Não há nenhum tipo de cobrança aos alunos. E todo o material é doadoFotomontagem/Garra divulgação

Guapimirim – Dizem que o amor de mãe não tem limites. Em 2016, a dona de casa Rosemeri Queiroz, na época com 53 anos, provou isso na prática, quando viu o sonho do filho Gabriel, então com 15 anos, quase ir por água abaixo. O treinador que o levaria, junto a outros adolescentes, à Taça Internacional de Futebol de São João, em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, havia desistido. Há um ditado que diz que ‘há males que vêm para o bem’. Um futuro inimaginável se construía a partir desse episódio, com a criação de uma escola de futebol e, posteriormente, sua oficialização no Garra Futebol Clube, um time situado em Guapimirim, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Comovida com a tristeza do filho e de outros jovens, e mesmo sem entender nada sobre futebol, dona Rose, como é conhecida, se encarregou de acompanhá-los na viagem. De apenas mãe de um adolescente, ela se tornaria a responsável por manter vivo o sonho daqueles jovens.
O campeonato seria uma oportunidade para que os garotos fossem, possivelmente, notados por ‘olheiros’, como são chamados os observadores de talentos esportivos. Dali, existia, talvez, uma possibilidade para que fossem convidados a treinar em times mais populares.
Esta é uma daquelas matérias cheias de clichês para tentar simplificar a compreensão dos leitores numa história incomum ou até mesmo improvável de dar certo. A ideia para que dona Rose assumisse o comando do time partiu do filho do ex-treinador que deixou os jovens na mão.
“Eu não entendia nada de futebol. A única coisa que sabia é que quando a bola batia na rede é gol”, contou dona Rose à reportagem. Isso foi o que ela também disse ao filho do ex-treinador, quando lhe foi sugerido que ela conduzisse a equipe.
Em 2016, dos mais de 30 garotos em treinamento, apenas 16 estavam aptos a participar do torneio em São João da Boa Vista. Tinham atletas de várias partes do Brasil e também de países como Argentina e Bolívia, por exemplo. O time não ganhou nenhuma medalha, mas a competição serviu de experiência, para abrir portas e estabelecer contatos com outras pessoas do ramo. E desse modo, dona Rose conheceu pessoas e com o tempo foi convidada a inscrever os rapazes em outros eventos esportivos, sendo um deles o VR Cup, em Volta Redonda, entre 2017 e 2018, por exemplo.
O Garra Futebol Clube exalta bem a garra de dona Rose – hoje com 58 anos –, que conseguiu que um técnico do Castelo, time de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, atuasse voluntariamente e que os pais dos jovens ajudassem a custear a viagem e as refeições deles para o referido torneio.
Além da necessidade de um treinador, o Garra não tinha dinheiro para comprar uniforme, legalizar-se como pessoa jurídica nem bancar transporte, hospedagem e alimentação durante os treinos e competições. Uma solução fácil e barata foi servir cachorro-quente com guaraná natural aos atletas. Às vezes, ela conseguia que alguma padaria doasse os pães, por exemplo. Na grande maioria dos casos, ela tirava do próprio bolso, como também contava com a ajuda dos pais dos meninos, ao menos dos que podiam ajudar.
Gabriel Queiroz, filho de dona Rose, teve a oportunidade de atuar pelo Atlético Ferroviário, em Goiás, nas categorias Sub-20 e Sub-23, tendo sido campeão em 2021 pelo torneio Goiânia Cup. Em 2019, ele esteve na Itália, acompanhado da mãe, para ser avaliado em cinco clubes. Com a demora na documentação, porque era preciso ter cidadania, e com o surgimento da pandemia, os planos de se tornar um jogador de sucesso foram novamente adiados.
Em 2018, o adolescente Ricardo Fonseca atuou pelo Asper Brasil Futebol Clube, do Espírito Santo, na categoria Sub-15, por intermédio do Garra. Hoje, com 18 anos, ele é jogador profissional do time capixaba.
Em 2018, o Garra foi registrado como pessoa jurídica. Em dado momento, passou a contar com 60 jovens sonhadores. Atualmente, tem mais de 100 em projetos voltados para Sub-9, Sub-11, Sub-13 e Sub-15. Há apenas uma menina no Sub-13. Não se trata de apenas uma escola de futebol, mas um projeto social que aposta no alto rendimento dos adolescentes e ajuda a afastá-los dos perigos da violência e das drogas.
Outro jovem que teve a chance de jogar fora de casa foi Edmilson Porto, pelo Santarritense Futebol Clube, de Minas Gerais, entre 2016 e 2017. Na época ele tinha 17 anos.
“Eu consegui mudar a história de alguns jovens, dar uma experiência para eles, por mínima que fosse, mas que valesse a pena. Hoje vários deles são homens, com 21 a 22 anos, que, quando me encontram, falam disso até hoje”, continuou Rosemeri Queiroz.
De acordo com Rosemeri Queiroz ao O Dia, o Garra surgiu de um projeto aprovado por uma lei estadual de incentivo ao esporte. Em 2019, passou a contar com o aporte financeiro da concessionária de energia Enel, que atua em Guapimirim, além de outros municípios brasileiros. O time conta com incentivo da Secretaria de Estado de Esporte do Rio de Janeiro, da Prefeitura de Guapimirim – que cede o espaço para o treino – e da empresa Chabra, que atua na contratação dos funcionários.
Não há nenhum tipo de cobrança aos alunos. E todo o material é doado. Os atletas recebem um kit composto por camisa, calção, meias, squeeze, mochila e chuteira.
“Os patrocínios são muito importantes para mantermos vivo esse projeto. Muitos pais não têm R$ 300 a R$ 400 para arcar com o uniforme e com as viagens dos atletas”, completou dona Rose.
Em 2020, por conta da pandemia de coronavírus (Covid-19), os treinos presenciais foram suspensos. Os alunos participavam de atividades online. Com o avanço da vacinação e com a flexibilização de protocolos sanitários, o Garra espera voltar com toda a garra em 2022.