A obra 'Jornalismo Sensível' traz leituras plurais da realidade apresentada pelos afetosDivulgação/Arquivo Pessoal
Filho de pedagoga, Victor foi, ao lado do irmão, objeto de estudo da monografia de sua mãe. O trabalho que abordou Inteligência Multifocal, exemplificou formas diferentes de aprendizado e experiência com o mundo, ressaltando em Victor uma inteligência mais emocional do que intelectual ou racional.
Para o autor, o destaque que sua mãe sempre deu para suas aptidões na área de humanas, o ajudaram a pensar a sensibilidade, os afetos e a subjetividade das coisas em todo tempo. Outra experiência que marcou a escolha e desenvolvimento do tema abordado em ‘Jornalismo Sensível’ foi durante a faculdade de Victor:
“Vários professores do curso de jornalismo falavam mais sobre instabilidade do que solução para o nosso campo. E não foram poucas as aulas em que escutei que a minha geração teria a responsabilidade de encontrar a solução para novas formas de fazer jornalismo, sério e rentável, diante da revolução tecnológica que estava em curso. Isso me impactou profundamente, tanto por medo da responsabilidade quanto pela empolgação do desafio”, contou o pesquisador.
A vontade de repensar novas formas de fazer jornalismo e olhar para as sensibilidades como um caminho bastante plausível na busca de soluções fundamentou anos de pesquisas.
“Li autores incríveis que pensam sobre o nosso tempo, entrevistei e li jornalistas igualmente espetaculares do nosso país, e as coisas ganharam forma. Acabei formulando um conceito de ‘Jornalismo Sensível’ que nem estava previsto para a pesquisa, mas que praticamente se apresentou a mim e tive que abraçá-lo”, disse.
O autor acrescentou ainda que, a sua definição de Jornalismo Sensível não é a solução que seus professores de graduação esperavam. Mas, acredita que é um passo adiante, que se junta a muitos outros, na caminhada constante de adaptação e refinamento da profissão e da comunicação pensada mesmo no âmbito social.
Sobre sua percepção de mundo e comunicação, o autor Victor Rocha cedeu uma entrevista exclusiva ao O Dia. Confira:
O Dia: Para você, as fake news refletem a falta de acesso à educação da sociedade?
Victor Rocha: Acredito que refletem, sim. Mas, creio também que não é uma questão que se possa resumir no apelo a uma melhor educação formal. Até porque o termo ficou famoso não apenas entre os núcleos, culturas ou países com menos estudo, por exemplo. Entendo que alguns fatores se complementam para chegarmos em uma crise tão grave de desinformação como as que acompanhamos nos últimos anos, com consequências drásticas políticas e sanitárias.
Um dos autores que serviram como referência para o meu estudo é o sociólogo francês Michel Maffesoli. Ele entende que as sociedades ocidentais estão em um período de transição entre a Modernidade, marcada pelo culto à razão e objetividade, é uma coisa que ainda não conhecemos bem. Por isso define que estamos na “pós-modernidade”. Resumindo bastante, neste momento as sociedades estariam se libertando deste culto “repressor” da razão e dando asas às subjetividades. Ele afirma que isso gera novas formas de viver, mais coletivas, menos engessadas, mais sensíveis, românticas e até místicas... Ele acaba tendo uma visão bastante otimista do assunto. Meu alerta no livro é que esta explosão desordenada de subjetividades reprimidas por séculos abre espaço, por exemplo, para uma geração de pessoas que dão mais crédito às próprias crenças e vontades do que ao que é científico, material, comunitário, e ao debate. Um “acredito, logo estou certo”. É preciso haver um equilíbrio e trabalhar sim as subjetividades, mas de forma harmônica, empática, sem perder de vista o outro no processo de reconhecimento do mundo.
Outro ponto sobre as fake news (ou desinformação, de todos os tipos) é que partem comumente de estratégias políticas, articuladas, para confundir as pessoas. E os responsáveis por estas estratégias fazem isso aproveitando-se também de uma descrença social que já estava em andamento com as mídias mais tradicionais. O jornalismo formalizado costumava ser detentor da verdade aos olhos das sociedades, era visto normalmente como instituições capazes de “reportar o real” e “mostrar os fatos como são” de forma objetiva e imparcial. Antigamente falar que “deu no jornal” era uma forma de validar uma informação, hoje pode significar até o contrário. Ou seja, esse olhar de autoridade foi diluindo, também por culpa do próprio jornalismo, que por muitas vezes se limitou a fazer o básico, apenas seguiu cartilhas, ignorou boa parte da população que o acompanha, ou de fato seguiu interesses que não os da sociedade.
E o último ponto que quero ressaltar sobre o assunto é, sim, uma necessidade de maior educação, mas que é também uma educação para as mídias. A população sofre diariamente uma enxurrada de estímulos de conteúdo e não por acaso pode encontrar-se perdida, ou estar perdida sem nem se dar conta disso. Juntando os pontos anteriores a gente entende que não é fácil decidir por onde se informar, como se informar e até mesmo como diferenciar um veículo sério de um desonesto. Como validar ou não uma informação recebida.
Educar para as mídias é parte do que procuro fazer neste livro, exatamente por identificar essa necessidade. Por isso tomei o máximo de cuidado para que não fosse uma leitura difícil, escrita apenas para estudantes ou profissionais da área de comunicação. É muito importante que nossa sociedade consuma informação de forma totalmente consciente, e que tenha ferramentas para saber escolher, tratar e questionar e tudo o que recebe.
O DIA: Você acredita que a desvalorização dos jornalistas, especialmente repórteres de ruas, que possuem salários sucateados e pouca estrutura de trabalho, influencia na ‘falta de atenção necessária’ na hora de produção de uma matéria/reportagem?
Victor Rocha: Com certeza. Parte da instabilidade do jornalismo, que meus professores disseram que a solução seria obrigação da nossa geração, entra nisso. A publicidade da internet é muito mais barata que a física, e quase ninguém mais quer ou precisa anunciar em jornal. Daí um dos pilares da crise no campo. Somado a isto, a internet e as tecnologias vindas dela ajudaram a “democratizar” e pulverizar as mídias. Ou seja, multiplicou em muito as concorrências. E é claro que sofre mais quem está na ponta da corda.
E isso materializa-se não só no salário dos jornalistas, mas também nas condições de trabalho e no nível da demanda. Junto com a tecnologia, em vez de ganharmos tempo como era sonhado outrora, perdemos o que algumas chefias chamariam de “desculpa”. Hoje é comum termos redações esvaziadas e profissionais que precisam ser mil em um. Multimídia e multitarefa. Você não tem desculpa para não conseguir publicar dez, doze textos por dia porque você vai para a rua com um celular e um laptop nas costas, sinal de internet, e pode bater suas matérias de qualquer lugar... E daí para pior.
Tudo é imediato e efêmero. Cada vez mais a notícia é um produto de consumo rápido e cabe ao jornalista alimentar a clientela. Essa loucura do tempo real somado à lógica produtivista e ao consumo banalizado de informação, conteúdo, desinformação, propaganda e o que mais vier misturado é um problema grave tanto para o público quanto para o jornalista, e ainda estamos em vias de pensar formas de humanizar o processo e agradar os donos do capital de uma só vez.
Um jornalista sem tempo, com equipamentos de segunda mão, com metas extremamente ambiciosas de produção diária, sem um lugar confortável para trabalhar... O que ele produz? É preciso ser resistência para desenvolver pautas mais profundas, reportagens e matérias, ou mesmo notícias, de forma mais inteligente. Sair do básico, da entrega pela entrega. E, mais uma vez, dada a importância do jornalismo como forma de conhecimento.
O DIA: Qual a sua opinião sobre as páginas de notícias locais? Em sua maioria criadas e gerenciadas por um 'não jornalista'. Acredita que são necessárias para a comunidade, ou pouco ajudam com informações relevantes à população?
Victor Rocha: Este é um tema bastante complicado. Matérias compradas e tendenciosas não são exclusividade de veículos pequenos, locais, amadores ou de guerrilha. Muitas vezes ações como estas são Comunicação Comunitária/Jornalismo Comunitário, e há de se dar espaço para isso, pois normalmente quando este tipo de mídia surge e se mantém, é porque dá conta de um papel que outros veículos informativos não estão conseguindo alcançar.
A gente tem diversos exemplos de jornalismo comunitário que são louváveis, com profissionais se esforçando para falar com seu público, em uma linguagem melhor, o que mídias de grande alcance não falam, não veem, assuntos sobre os quais não se importam, vidas com as quais não se importam. E tocados pessoas sérias, que por acaso não têm um diploma, mas que se pudessem teriam. Tive amigos de faculdade que estavam nessa empreitada, trabalhando para uma mídia comunitária local e sempre tentando se aprimorar para entregar o melhor ao seu público. É muito importante não colocar tudo na mesma cesta, não descaracterizar os trabalhos sérios e úteis por influência dos desonestos.
Mas, é claro, existem mídias criadas exclusivamente para ações políticas. Mídias panfletárias travestidas de jornalismo, ou páginas e jornais locais acabam se entregando a isto em troca dos mais diversos tipos de favores, ou na esperança de desenvolvimento profissional, por exemplo, em deixar de ser “só uma página local”. E aí a grande questão está novamente em termos um público bem educado para lidar com as mídias e veículos sérios trabalhando para suprir as lacunas sociais pelas quais esse tipo de projetos de desinformação se criam e sustentam.
Sobre o autor - Doutorando e mestre em Mídia e Cotidiano pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e jornalista formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), com extensão em Jornalismo Econômico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É também pesquisador vinculado ao grupo Mídias, Redes e Jovens: Usos e Apropriações em Contextos Digitais. Seus interesses de pesquisa são voltados para Teoria do Jornalismo, Narrativa e Educação. Em 2022, publicou o livro “O Jornalismo Sensível: leituras plurais da realidade apresentada pelos afetos”. Atua desde 2013 também como ghost writer (escritor-fantasma), desenvolvendo livros em parceria com seus clientes. Em 2020, foi um dos tutores e curadores do Prêmio Literário do Ensino Fundamental.
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