Por thiago.antunes

Rio - Enquanto uns chamam de Piedade, outros chamam de cidade fantasma. Desde quando a Universidade Gama Filho fechou as portas de vez, no início do ano, o bairro da Piedade vive às moscas. O comércio teve queda de até 90% no faturamento. De 15 bares e restaurantes que funcionavam no entorno da faculdade, apenas três continuam abertos.

>>> GALERIA: Região vive às moscas após fechamento de universidade

Por cinco anos, Miriam Cristina de Oliveira, de 38 anos, colheu frutos do sucesso de sua lanchonete, bem em frente à Gama Filho. Mas bastou a universidade encerrar suas atividades, para a comerciante entrar em desespero. “Vou ter que entregar o ponto. Estou devendo quatro meses de aluguel”, lamenta Miriam, que das 9h às 15h desta quarta, tinha vendido apenas R$ 2 em mercadoria: “Já tive quatro funcionários por dia e hoje trabalho sozinha”.

Retrato da decadência%3A em pleno dia útil%2C a maioria das lojas na Rua Manoel Vitorino%2C em frente ao campus da Gama Filho%2C está fechada. Alunos eram os principais clientesMarco Antônio Cavalcanti / Agência O Dia

Além dos bares, papelarias e estacionamentos entraram em extinção no bairro. Na rua da faculdade, a Manoel Vitorino, os três grandes estacionamentos que lotavam de carros de estudantes estão fechados. Das quatro copiadoras e papelarias que funcionavam a pleno vapor, apenas uma está de portas abertas. E esta só continua ativa porque o imóvel é próprio.

“Perdi mais de 90% do meu faturamento desde que a Gama Filho fechou. As tintas e canetas venceram o prazo de validade e tive que jogar fora. A sorte é que faço encomendas de encadernação e atendo serviços pela internet”, explica a proprietária da copiadora, Lucia Mota, de 53 anos.

Na última sexta-feira, Lucia e seu marido, Carlos Renato Oliveira, 54, foram assaltados dentro da loja. “Nos 17 anos que tenho esse comércio nunca fui assaltada. Agora estamos trabalhando com medo”, admite Lucia, que teve o cordão de ouro e o dinheiro do caixa roubados.

Lucia e o marido Carlos Renato perderam clientela da papelaria. A queda no movimento atraiu assaltantes pela primeira vez em 17 anosMarco Antônio Cavalcanti / Agência O Dia

Dono de um dos bares mais tradicionais do bairro, Giovano Mazzaro, 64, viu Piedade crescer e agora assiste sua falência. “Abro o bar para o meu lazer, pois a clientela não existe mais”, conta o comerciante. Por conta da queda nas vendas, Giovano deixa o estabelecimento fechado durante a maior parte da tarde. “Abro 9h, fecho às 13h e depois abro 16h30 e encerro às 20h. Por que vou ficar o tempo todo aberto? Para ser assaltado”, indaga.

A onda de insegurança assombra moradores e comerciantes . De outubro a dezembro do ano passado, 209 pedestres foram assaltados no bairro. A Polícia Militar garantiu que enviará reforço no patrulhamento no local. Responsável pela segurança da região, o 3º BPM (Méier) informou que faz patrulhamento 24 horas por dia com viaturas, além de reforço de 18h às 22h no entorno da Gama Filho. Sobre o aumento dos assaltos, o comandante do batalhão, tenente-coronel André Silva, garantiu que colocará o serviço reservado para identificar os criminosos.

Imóveis alugados para alunos estão vazios agora

Não é só o comércio que tem sofrido com o bairro fantasma. Moradores que alugavam casas e kitinetes para universitários estão amargando prejuízos. Dono de 16 repúblicas ao lado da Gama Filho, Carlos Alberto Nascimento, 36, teve que procurar outro público para alugar os imóveis. “Estou com seis kitinetes alugadas para idosos. Os universitários eram muito mais tranquilos”, declara Carlos, que ainda abriga seis estudantes da faculdade.

Miriam Cristina de Oliveira viu a frequencia despencar em sua lanchonete%3A ela vai ter que devolver a lojaMarco Antônio Cavalcanti / Agência O Dia

“Estou esperando acabar as férias para saber o que eles vão fazer. Todos foram transferidos para o Centro e acho que vão desistir das casas”, opina. O administrador Marcelo Nogueira, 42, também tem um imóvel próximo à universidade. Desde novembro, quando a crise se acentuou na Gama Filho, Marcelo não conseguiu nenhum inquilino. “As pessoas não querem morar em Piedade porque falam que é bairro morto. Já fiz até desconto mas não deu”, encerra Marcelo.

Campus é saqueado

Como se não bastasse o abandono dos prédios da Gama Filho, moradores denunciam que o imóvel é constantemente invadido por jovens de comunidade. “Eles chegam em grupos, pulam a grade, e ficam lá dentro. Teve gente que saiu de lá com um monte de objetos nas mãos”, afirma Marlene Leal do Nascimento, de 76 anos, vizinha da faculdade há 25 anos.

A proprietária da copiadora em frente, Lucia Mota, também já testemunhou a entrada do grupo. “Não sei exatamente de onde eles são mas quase toda semana tem gente lá dentro. Já vi os meninos até na piscina”, entrega a comerciante. Desde quando a faculdade foi fechada, a empresa de segurança foi substituída por poucos vigias.

Nesta quarta-feira, equipe do DIA esteve na universidade e viu apenas uma pessoa tomando conta do campus. O vigia, que preferiu não se identificar confirmou a entrada ilegal de jovens. “Aqui é muito grande e tem gente que pula a grade sim. Mas faço sempre vista grossa e finjo que não estou vendo nada”, relata o guardião.

A Polícia Civil informou através de nota, que não recebeu nenhuma denúncia de invasão de moradores de comunidade nas dependências da universidade. Mas a delegada titular da 24ª DP (Piedade), Cristiane Carvalho de Almeida, se comprometeu a enviar uma equipe até lá, nos próximos dias, para averiguar a situação. O Grupo Galileo, atual administrador da Gama Filho e UniverCidade, também desconhece a invasão.

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