Por tiago.frederico
Membros da liga de blocos Folia Carioca ainda fazem as contas. Das 22 agremiações%2C Roberto Veloso diz que só três conseguiram patrocínioErnesto Carriço / Agência O Dia

Rio - Em 1965, o Império Serrano definiu o Carnaval como uma “doce ilusão” e desfilou pedindo “magia, perfume, fantasia e sedução”. Hoje, os desejos carnavalescos são bem diferentes desse bailado poético. Agora, pede-se dinheiro, pois falta verba para trios elétricos, bateria e camisetas às vésperas da festa. A inimiga da folia de Momo é a tão falada crise econômica, que ameaça impedir blocos de desfilarem e está fazendo dirigentes de agremiações criarem estratégias para amenizar os prejuízos e manter a festa.

Em 2016, serão 505 blocos nas ruas — 49 a mais do que em 2015. O crescimento mascara, porém, as dificuldades que muitos estão passando às vésperas da festa. Entre as estratégias para diminuir custos, há quem planeje desfile conjunto, troca do trio elétrico pelo palco e até uso da mesma bateria. A justificativa, argumentam os produtores, passa pelo fato de o Carnaval de rua do Rio ser totalmente patrocinado por uma cervejaria, o que inviabilizaria a busca por outros patrocínios.

Presidente da liga Folia Carioca, que agrega 22 blocos, Roberto Veloso dá o diagnóstico triste: apenas três desfiles serão feitos com verba de patrocinadores, e a maioria das agremiações ainda não tem camisa ou trio elétrico alugado. “É o Carnaval mais difícil de todos. Nada menos que 99% dos patrocínios individuais dos blocos, com pequenas e médias empresas, foram suspensos”, afirmou ele, que conseguiu um patrocínio da Ambev de 70 caixas de cerveja para cada membro da liga. “Eram 116 no ano passado. É isso ou nada. Há casos de instrumentos que ainda precisam de reforma”, lamentou Veloso.
Publicidade
Entre os blocos impactados pela crise está o Quem Não Guenta Bebe Água, que faz seu Carnaval em Laranjeiras e ficará parado neste ano. O Berço do Samba, Só Tamborins e Foliões de Botafogo também estão ameaçados e, para amenizar custos, Bloco do Rock e o Enxota Que Eu Vou trocarão seus desfiles por um show conjunto, na Praça Tiradentes.
“São R$ 2 bilhões circulando pela cidade. Os hotéis, lotados. E quem faz o Carnaval de verdade não tem apoio, a chave da festa está na mão de uma empresa só”, reclama Roberto Veloso.
Publicidade
Na mesma trilha está Rita Fernandes, presidente da Sebastiana, associação dos blocos da Zona Sul, Centro e Santa Teresa. Embora os desfiles de blocos como Simpatia É Quase Amor e Suvaco do Cristo estejam garantidos graças ao contrato entre estes e a Sebastiana, Rita informa que houve ajustes e um corte de 30% em acordos de patrocínio. “Quando vamos tentar compensar a perda com outras empresas, esbarramos no fato de a prefeitura entregar a cidade para uma marca só. O Carnaval de rua tem uma exclusividade perversa”, disse.
Problemas para grandes e pequenos
Publicidade
As dificuldades para fechar as contas para o Carnaval não são exclusividade dos blocos menores. O Cordão da Bola Preta, por exemplo, que historicamente disputa com o Galo da Madrugada, de Recife, o título de maior desfile do mundo, também precisou dobrar os esforços para não ir para as ruas no vermelho. “Conseguimos superar uma negociação árdua. É o carnaval da crise, mas vamos botar o Bola Preta na rua como ele merece”, afirmou o presidente Pedro Ernesto Marinho.
Já o Barbas, em Botafogo, terá que reduzir custos e realizar mais eventos. “Vamos cortar o número de seguranças, vender mais camisas, fazer festas...”, apontou Nei Barbosa, um dos fundadores.
Publicidade
O Timoneiros da Viola, que no ano passado aterrissou no Parque Madureira, voltará para aEstrada da Portela com menos camisas para venda, segundo o presidente, Vagner Fernandes. “Fizemos três mil no ano passado. Para 2016, serão 500. Teremos menos material impresso. Estamos no quinto ano, e este é o pior cenário para o carnaval”, lamentou.
Estado ainda não pagou edital
Publicidade
A Secretaria estadual de Cultura selecionou 93 projetos de todo estado em seu edital de Carnaval neste ano, recursos de mais de R$ 1 milhão no total. Mas os contemplados que pensem logo em uma alternativa: a Secretaria estadual de Fazenda ainda busca os recursos necessários para pagar o edital, e não tem previsão de fazer os repasses, que vão de R$ 2,4 mil a R$ 70 mil.
“A prioridade absoluta no momento é o pagamento de pessoal, neste momento de grave crise no estado e no país”, diz a nota enviada pela Fazenda.
Publicidade

NÚMEROS
O Carnaval de rua do Rio contará com o desfile de 505 blocos de rua neste ano. A Ambev cedeu 70 caixas de cerveja para para cada membro da liga. Ano passado eram 116
Antônio PedroDivulgação


Presidente da Riotur: ‘Blocos podem ter outros tipos de arrecadação’

Presidente da Riotur, que organiza o Carnaval da cidade, Antônio Pedro responde aos diretores de blocos, nega que a folia carioca esteja nas mãos de uma só empresa, e diz que não há impedimento para busca por patrocínio.

Publicidade
O acordo entre a Ambev e a prefeitura impede que blocos exibam outras marcas em seus desfiles?
Nosso patrocínio é para bancar a infraestrutura da cidade, e não dificulta os blocos de conseguirem patrocínio de qualquer outra cervejaria, empresa ou outra coisa.
Alega-se que nenhuma empresa quer patrocinar um evento em que, para onde você olha, vê uma marca — no caso, uma cervejaria.
Discordo. Há blocos patrocinados. A Ambev, através da Antarctica, patrocina o Carnaval de rua. Se você tem uma marca de cerveja que não quer gastar um caminhão de dinheiro colocando a infraestrutura da cidade, o cara paga um bloco.

Quanto a Ambev paga pelo Carnaval de rua? Como foi a licitação?
Não há valor, o que há é um caderno de encargos, que é baseado em serviços a serem prestados, uma espécie de licitação. Não chega um tostão para o caixa da prefeitura. Infelizmente, o Carnaval de rua tem pouca procura, e a empresa Dream Factory (que produz o Rock in Rio) venceu de novo e escolheu as marcas patrocinadoras, entre elas, a Antartica.
Publicidade
Em 2009, chamamos todas as cervejarias e relatamos a problemática do xixi na rua, que é produto direto do que é consumido na folia: a cerveja. Infelizmente não temos outras cervejarias competindo.
Já que a prefeitura não investe, quanto economiza então com o patrocínio oficial?
O caderno de encargos, com os serviços, UTIs móveis, banheiros químicos, deve custar de R$ 10 a 12 milhões. Não há nenhuma obrigação para venda de produtos de uma só marca.
Publicidade
Reclama-se que a cidade ganha muito dinheiro, mas isso não se reverte para ajudar os blocos, responsáveis pela festa.
Existem diversos editais culturais, a Lei Rouanet. Carnaval é cultura. Os blocos poderiam usar outros elementos de arrecadação, como o financiamento coletivo, por exemplo. O Carnaval tem que ser bancado pelas pessoas que o fazem.
Você pode gostar