Opiniao 05 julhoPaulo Mátcio

Por Pedro Estevam Serrano*
A caçada a Lázaro Barbosa, morto pela polícia na última segunda-feira, após 20 dias de captura que se tornaram uma espécie de novela, com capítulos televisionados servindo de entretenimento à família brasileira, evidenciam não o sucesso, mas a total ineficiência de nossas forças de segurança pública.
O chamado serial killer do Distrito Federal foi alvejado com 125 tiros, segundo declarações dos próprios policiais em boletim de ocorrência. E ao menos 38 desses disparos o atingiram, conforme informou a Secretaria de Saúde de Águas Lindas, município onde ele foi encontrado.
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Ao que tudo indica, se tratava de uma pessoa que havia cometido delitos extremamente graves, um criminoso de certa periculosidade, e é legítimo que o policial reaja quando atacado. No entanto, tudo leva a crer, inclusive pela forma como foi conduzida a captura – uma caçada espetacularizada, e não uma operação ordinária –, que houve excesso na atuação policial.
É preciso que se apure se a resposta policial foi proporcional ao ataque – se houve – e à suposta resistência do criminoso em se entregar, e se tudo ocorreu de acordo com os limites jurídicos.
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Antes que se torça o nariz sob a alegação de que estou aqui fazendo a defesa de “direitos humanos de bandido”, gostaria de recorrer ao pensamento de Robert Peel, um velho político inglês que ajudou a formular os princípios que regem o conceito moderno da força policial do Reino Unido.
Como se sabe, nos domínios britânicos, os policiais não usam armas, situação que virou até atração turística e que apenas países como Noruega e Nova Zelândia conseguiram reproduzir. Isso se deve muito às ideias de Peel, que se fiou na convicção de que a força policial deve ser ética e de que os oficiais de polícia nada mais são do que cidadãos uniformizados, que exercem seus poderes para policiar seus concidadãos com o consentimento implícito destes.
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Para o político inglês, frise-se, um conservador do século XIX, e não um progressista ou ativista de direitos humanos, a comprovação da eficiência policial é a ausência de crimes e desordem, e não mostras visíveis de ação policial no trato com eles. Isso, na prática, significa que, ao ter a necessidade de prender alguém, a polícia já falhou em sua função de proteger a comunidade, prevenindo a ocorrência do crime.
O fato de haver crimes a serem solucionados evidencia uma falha não só na segurança, mas também na estrutura social. E por essa simples razão a prisão de alguém que cometeu um crime não é jamais motivo de comemoração. Muito menos a sua morte.
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Assim, quando ligamos a televisão e assistimos aos nossos policiais festejando a captura de Lázaro Barbosa, estamos a quilômetros de distância do pensamento de Peel e muito próximos de um filme de faroeste no qual o bandido era “procurado vivo ou morto”.
Outro princípio de Peel diz que a força policial deve guardar estrita aderência às funções executivas da polícia, abstendo-se de sequer parecer usurpar os poderes do judiciário, de vingar indivíduos ou o Estado e de autoritariamente julgar a culpa e punir os culpados.
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A morte de Lázaro Barbosa, independentemente de a ação policial ter sido desproporcional e equivocada, é um sinal inequívoco de mau funcionamento do nosso sistema de segurança pública, que tem, antes, de evitar o cometimento de crimes. Caso seja comprovadamente abusiva a ação policial que culminou na morte dele, mais do que um sinal de ineficiência, é um grito de alerta, pois a função do Estado é promover a Justiça, e não a vingança.
*É Bacharel, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris Nanterre; Professor de Direito Constitucional e Teoria Geral do Direito na graduação , mestrado e doutorado da PUC/SP, sócio do escritório "Serrano, Hideo e Medeiros Advogados