Marcus Vinicius Dias, médico do Ministério da Saúde, Mestre em Economia pelo IBMEC Divulgação

A Carta Magna de 1988 consagrou um marco civilizatório ao assegurar a saúde como um “direito de todos e um dever do Estado”. Os anseios legítimos de uma sociedade que se redemocratizava foram muito bem captados pelo legislador constituinte. Estava ali inaugurado os pilares do que seria o nosso Sistema Único de Saúde, o SUS.
A obrigação estatal do prover saúde aos seus cidadãos tem sido um desafio permanente aos gestores do setor, quer seja pela complexidade, com permanente incorporação de tecnologias e mudanças do perfil demográfico da população, quer seja pela limitada capacidade orçamentária destinada a este propósito.
Uma alternativa para transpor as inerentes dificuldades de uma gestão estatal de unidades assistenciais, encontrada por sociedades em que o sistema público de saúde predomina, foi a transferência da Administração Direta para o chamado 3º setor, personificado pelas Organizações Sociais (OSS), entidades de direito privado, sem fins lucrativos. Esta saída pode, por exemplo, ser observada em países como Espanha, com enorme êxito e apoio social.
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No Brasil essa modalidade de gestão difundiu-se especialmente nas últimas duas décadas, estando presente em quase a totalidade dos Estados da Federação. No Estado do Rio de Janeiro, presente desde o início da década passada, as OSS, em virtude de inúmeros e conhecidos problemas de gestão e governança, por determinação do Executivo, e referendada pelo Legislativo estadual, têm prazo de validade: 31 de Julho de 2024!
Diante da prevista impossibilidade da manutenção deste modelo de gestão em futuro breve, e frente às inequívocas dificuldades de um retorno de uma rede complexa, descentralizada e heterogênea à Administração Direta, a sociedade fluminense se verá diante de um dilema: como proceder diante desta nova realidade que se impõe.
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Num momento em que os serviços de saúde estão enfrentando seu maior desafio sanitário, reforçou-se na sociedade o sentimento de valorização e preservação do SUS. O caráter público de um sistema universal de saúde, inspirado, sobretudo, no sistema nacional inglês (NHS), não impõe, necessariamente, um caráter estatal de execução da prestação do serviço.
E, talvez, o mesmo NHS que inspirou o nosso SUS, nos forneça uma possibilidade de alternativa para o dilema que ora se apresenta na saúde fluminense. A discussão do estabelecimento de modelos de Parcerias Público-Privadas, as PPPs, surge como uma alternativa a um modelo que se esgotou - como o das OSS - bem como uma opção às limitações da Administração Direta.
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As PPPs são uma forma de se contratar infraestrutura e serviços por meio de um contrato de longo prazo entre um ente público e um parceiro privado, sendo que este parceiro arca com um RISCO significativo, tendo a responsabilidade pela gestão durante todo o contrato e sendo remunerado não apenas pela demanda do serviço prestado, mas principalmente pelo DESEMPENHO na execução da assistência prestada.
Não se trata de PRIVATIZAÇÃO, uma vez que não há transferência permanente do ativo (no caso, unidades de saúde) ao setor privado. Numa PPP há a necessidade de participação permanente do setor público como parceiro e, ao término do contrato, o ativo retorna ao Estado.
Na Inglaterra, do emblemático NHS, a prestação de saúde, especialmente hospitalar, se dá por meio de PPPs. E não há quem não afirme que a prestação de saúde na terra da Rainha não seja de caráter público! E, ao participar financiando diretamente o projeto, o ente privado coloca sua pele em risco, nas palavras de Nassin Taleb. Portanto, seu esmero na eficiência da gestão é, por assim dizer, mais ativa. Por outro lado, a remuneração vinculada a um desempenho, previamente definido pelo poder público, implica não só na execução de metas quantitativas, mas também qualitativas.
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O desembolso pela parte privada também permite que o orçamento público de investimento seja direcionado para outros projetos no curto prazo, ampliando a capacidade do investimento estatal. E um contrato de longo prazo permite uma diluição do retorno do capital investido ao longo de anos, tornando a contrapartida governamental menor no dia a dia do custeio. E por fim, mas não menos relevante, é a previsibilidade e a transparência sobre o que de fato o prestador irá ter como lucro. Lembrando que um dos pontos nevrálgicos apresentados por algumas OSS por aqui foi o fato de, por serem sem fins lucrativos, desperdícios e falta de zelo com o recurso público acabaram por se tornar mais frequentes.
Não há, na vida real, modelo universalmente perfeito e imune a críticas. Não nos restam dúvidas de que a sociedade brasileira, 30 anos após a criação do SUS, não abre mão de seu sistema público de saúde. E, para a manutenção e o aperfeiçoamento deste patrimônio nacional, o debate franco, desprovido de paixões e partidarismos ideológicos se faz necessário. Afinal, o que de fato nos importa é um SUS público e eficiente. E não, necessariamente, uma saúde estatal.

* Marcus Vinicius Dias é médico do Ministério da Saúde, Mestre em Economia pelo IBMEC