Marcus Vinicius Dias, médico do Ministério da Saúde, Mestre em Economia pelo IBMEC Divulgação

Segundo a Fortune, ombreando com a energia e a tecnologia, o setor saúde seguirá entre os de maior atividade em termos de fusões e aquisições nos próximos anos. Dentro do ecossistema da saúde estão as empresas de biotecnologia, as farmacêuticas, as seguradoras de saúde, os grandes prestadores, incluindo redes de hospitais e de serviços de diagnóstico, entre outros.
De um lado, estão os grupos econômicos que, em busca de ganho de eficiência, ampliação de market share, aumento da capacidade de investimento e, claro, sobrevivência no seu setor, se compram, se vendem e se fundem; do outro, usuários que, via de regra, querem receber um serviço de qualidade, com resolutividade e, de preferência, ao menor custo. No meio deste desejo, entra a Regulação que visa, no limite, a eliminação das assimetrias de informação do sistema através da máxima transparência.
De modo esquemático, e extremamente simplificado, é esse o pano de fundo deste mercado superaquecido que, a despeito de relativa diminuição de velocidade às custas da pandemia, deverá seguindo em alta no ranking de M&A, movimentando cifras astronômicas que, no mercado norte-americano, no ano anterior a covid-19, atingiu o impressionante número de U$533 bilhões, 26% superior ao ano de 2018.
Mas em que pese o expressivo aumento do ritmo de fusões e aquisições, o mercado de saúde ainda segue relativamente fragmentado, seja aqui ou no exterior, e os players seguirão unificando forças para se manterem no jogo. Mas o desafio do setor não reside exclusivamente na capacidade financeira. Há, também, o viés do modelo, particularmente no que reside a forma de financiamento por doença tratada, ou no jargão do setor, do fee for service. Não havendo doença, não há quem ganhe dentro desta lógica, de modo que a promoção da saúde não encontra espaços nos balancetes na coluna do crédito.
Unir gigantes que caminham para o precipício não os salvará da queda. Pode, claro, retardar a velocidade do impacto, mas também aprofundará o buraco causado pelo tombo. E como sabemos que a mudança no leme de um Titanic é mais laboriosa e mais lenta do que a de uma pequena lancha, embora o desejo destas grandes uniões seja manter o navio navegando, o resultado prático pode, na verdade, ser uma colisão fatal com um grande iceberg...
Naturalmente, a preocupação primeira de um sistema regulatório que atue no setor é com a “cartelização”, que resulta em prejuízo ao usuário, por diminuição ou mesmo ausência de uma concorrência efetiva. Claro, isso é importantíssimo. Mas num setor em que carece, na verdade, de uma mudança de paradigmas, ou de rota, para seguirmos na analogia náutica, muito pior do que a criação de monopólios, é o abortamento de inovação pela supressão de novos entrantes num mercado só composto por gigantes, ou por aquisições dos “pequenos disrruptivos” pelos que no momento são os donos da marina.
Se por um lado as fusões animam os acionistas, por outro acendem a lanterna vermelha da Regulação. Num setor de interesse público e com tamanha assimetria de forças e informações, o laissez faire clássico leva a um mercado canibalesco que não interessa à sociedade. Por outro prisma, a bem intencionada intervenção pode levar a distorções e buscas de escapes por parte de quem quer empreender, desembocando em pouca oferta a quem de fato interessa.
Todo Capex pode parecer peanuts frente a uma ideia revolucionária em saúde; todo Opex pode ser um grão no deserto frente a uma clientela satisfeita com o acolhimento e o bom serviço prestado. Regular não é sinônimo de intervir. E se queremos de fato um sistema equilibrado e sustentável, para quem oferece e para quem compra o serviço, o limite para aquisições e fusões deve ser, sobretudo, o que assegure o livre e transformador exercício da extraordinária capacidade que temos de inovar.
Marcus Vinicius Dias é médico do Ministério da Saúde, mestre em Economia pelo IBMEC e gestor de saúde.