Geraldo Nogueira é presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB-RJDivulgação

Quando me formei em Direito, nunca imaginei que a entrada no mercado de trabalho fosse uma tarefa que envolveria inúmeras manobras para contornar a imagem de um advogado em uma cadeira de rodas. Naquela época, tinha a meu favor a juventude e a disposição para enfrentar os obstáculos postos por clientes e pela falta de acessibilidade nas vias públicas, edificações e transportes.
O cenário de bloqueio das pessoas com quem lidava profissionalmente, desencadeava em mim um certo desconforto, dado que meu perfil é de alguém sociável e extrovertido. Entretanto, os anos de autoconhecimento aos quais fui submetido por militância nos movimentos de defesa da pessoa com deficiência, fortaleceu minha autoaceitação e capacitou-me a lidar com o preconceito e a discriminação, seguindo o lema: “aceitar, adaptar e avançar”.
No início da profissão, distribui alguns currículos, nos quais grafei a minha condição de pessoa com deficiência usuária de cadeira de rodas, na ilusória esperança de que receberia muitas respostas. Pela conjuntura de ser advogado com uma diferença, supus que estimularia nas empresas ou nos escritórios contratantes, a ideia de que ter uma pessoa com deficiência na equipe, reforçaria a imagem de empresa inclusiva, despertando a simpatia da clientela. No entanto, minhas expectativas se frustraram e não cheguei a receber, sequer, um retorno.
O pontapé de saída para o mercado de trabalho foi dado no ano de 1995, quando resolvi atuar como advogado autônomo, estabelecendo um pequeno escritório. Lembro-me de um cliente, que ao visitar-me e após toda a análise de seu caso jurídico, questionou sobre os impedimentos que minha limitação física poderia trazer no andamento do processo, ressalvo que na época os processos não eram eletrônicos.
Iniciamos uma discussão sobre o que é paralisia interna ou externa, limite ou limitação, trabalho intelectual ou manual etc. Por fim, o cliente deu uma desculpa de que teria que avaliar melhor as condições do contrato e nunca mais voltou.
Outra experiência negativa, foi a visita que fiz a um cliente, dono de uma rede de lojas. Seu escritório ficava no mezanino de um dos estabelecimentos, acessado por uma escada íngreme e estreita. Nossa conversa aconteceu no balcão de vendas, o que foi uma solução bem negativa, pois os consumidores que ali estavam, constantemente nos interrompiam, muita das vezes, me ignorando e falado com o dono da loja por sobre a minha cabeça. Esse cliente também deixou de fechar contrato comigo.
A partir dessas e outras experiências negativas a saída foi me associar ao escritório de uma amiga. Assim, me escudava por detrás do aparato de uma maior banca de colegas advogados sem deficiência. Não que esse recurso tenha evitado por completo as negas e dribles que levei por conta do preconceito, mas possibilitou-me uma atuação de 22 anos na advocacia preventiva e contenciosa, em escritório e pelos fóruns. Não obstante, por diversas vezes fui questionado se a utilização da cadeira de rodas seria algo momentâneo ou definitivo e ouvi as desculpas mais estranhas, com o único intuito de camuflar a falta de confiança em me dar uma oportunidade profissional.
Hoje, quando jovens advogados com deficiência, recém-formados, me procuram para saber como obtive sucesso na profissão, respondo-lhes que os reveses da vida, por conta de ser um usuário de cadeira de rodas, me forjam um ser mais forte, com maior autoaceitação, cuja limitação e medos são menores do que os limites e desejos.
Geraldo Nogueira é presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência OAB-RJ (CDPD)