Lucas Gabriel Carvalho, de um mês e 25 dias, era o primeiro filho de Myllena Carolina Carvalho Lima, de 24 anos. Arquivo pessoal
Em depoimento à Polícia Civil, a mãe de Lucas disse que levou o menino na unidade por volta das 18h com quadro de congestão nasal. Após consulta com pediatra, foi receitada a aplicação de três inalações do medicamento salbutamol, indicado para o tratamento de doenças respiratórias. Na terceira "bombinha", o bebê apresentou reação. A mãe acredita que houve negligência na prescrição. "O meu filho chegou apenas com o nariz entupido. Eu cuidava muito bem dele e levei mais por precaução porque ele estava sem febre, ativo, brincando, mamando. Depois que foram feitas as três bombinhas ele começou a mudar, ficou diferente".
No momento da piora, Myllena foi informada de que o filho estava com bronquiolite, um quadro obstrutivo de vias aéreas inferiores. Só depois que o menino passou mal foram solicitados exames de raio-X, de sangue e teste de covid-19. Segundo Myllena, por volta de 19h20, os médicos também informaram de que seria preciso transferir Lucas para o Hospital da Criança Albert Sabin, situado no bairro Jardim Jalisco, pois a UPA não oferecia os recursos necessários para a internação do menino. O prontuário médico, obtido com exclusividade pelo jornal O Dia, destaca que a transferência foi negada por falta de leitos. "A todo momento eles me falavam que a UPA não tinha estrutura para atender o meu filho. Que ele deveria ser transferido para um hospital com mais capacidade. Que não tinha material adequado para crianças".
Durante a madrugada, a mãe foi informada de que a transferência só seria possível ao amanhecer e que, para prepará-lo, seria necessário a entubação. Como a mãe sabia que não havia equipamentos de entubação infantil, ela não autorizou o procedimento. Porém, enquanto Myllena foi até a sua casa, no mesmo bairro, para conversar com a família sobre a transferência e voltou para a UPA encontrou o filho sendo massageado no peito para reanimação. Por volta das 6h da manhã, Myllena recebeu a notícia da morte do filho. "Eles me falavam que quando amanhecesse seria mais fácil conseguir a transferência, mas como não sabiam se seria em um hospital perto ou longe pediram pra eu me preparar, ir pra casa, tomar banho, pegar roupa. Eu fui em casa, me arrumei e quando voltei ele já estava passando mal".
Sobre a falta de itens de entubação para crianças, o prontuário médico confirma a versão da mãe sobre a falta de equipamentos próprios para bebês. O documento evidencia que, mesmo sem tubos adequados ao peso do paciente, a equipe tentou entubar o menino por duas vezes sem sucesso. Na terceira e última tentativa, a entubação foi realizada, mas Lucas sofreu uma parada cardiorrespiratória. Mesmo com os procedimentos para reanimação, o bebê não aguentou e faleceu às 6h41. "O Lucas era tudo pra mim. Foi o meu primeiro filho. Eu esperei muito por ele. Cheguei a ficar casada por sete anos e não conseguia engravidar. Agora, que eu tinha realizado o meu sonho de ser mãe acontece isso. Estou parada no tempo. Não consigo ficar no mesmo quarto que ele dormia. Estou dormindo na sala".
Segundo a certidão de óbito, as causas da morte de Lucas Gabriel Carvalho foram insuficiência respiratória aguda, bronquiolite aguda e covid-19. À Polícia Civil, a mãe da vítima ressalta que não obteve nenhum laudo de teste positivo de coronavírus. Inclusive, recebeu uma declaração de que, no velório, o caixão do menino poderia ficar aberto sem risco de contágio aos presentes. "Eles me falaram que ele estava com covid, mas não me entregaram o resultado do exame. Ainda me liberaram para fazer o velório com o caixão aberto".
Myllena também reclama sobre a falta de assistência da prefeitura. "Até hoje não me procuraram para prestar apoio psicológico. A única coisa que fizeram foi oferecer o funeral, mas enterraram meu filho numa cova rasa no Cemitério Alto dos Passos. Agora, estou tentanto tirar o corpo dele de lá para realizar um enterro digno. No local onde ele está enterrado não tem gaveta, não tem como fazer um túmulo. Se chover, corre o risco do caixão ser descoberto."
Em nota do dia 5 de julho de 2022, a prefeitura de Resende disse que o bebê era lactente e apresentava quadro de síndrome gripal. Que ele deu entrada na unidade médica com bronquiolite e covid-19. Disse que está investigando rigidamente o caso e que o prontuário foi encaminhado para o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) e para a Comissão de Óbito Materno Infantil Municipal para que haja avaliação independente. Sobre a falta de equipamentos, a prefeitura enviou uma nova nota nesta sexta-feira (8): "A Prefeitura de Resende informa que o relatado não procede. A unidade possuía todo o material necessário para atender o paciente em questão. A criança já estava com a transferência para uma UTI neonatal liberada, mas não estava em condições de ser transferida. Importante ressaltar que a Unidade de Pronto Atendimento possui capacidade para atender qualquer tipo de situação, com exceção de casos cirúrgicos".
O Cremerj disse que ainda não foi comunicado pela prefeitura sobre o assunto, mas que está apurando os fatos. A prefeitura de Resende ainda investiga a morte de uma outra criança no Hospital de Emergência também ocorrida no último sábado (2).
Veja a nota completa da prefeitura:
"Nota de Esclarecimento
Resende, 5 de julho de 2022
A Prefeitura de Resende esclarece que o bebê que veio a óbito na manhã do último sábado, na unidade de Pronto Atendimento, era lactente e apresentava quadro de síndrome gripal. Deu entrada na unidade, às 19h, de sexta-feira, com bronquiolite e Covid.
Com todo respeito, empatia e seriedade que o caso exige, ele está sendo rigidamente investigado. Todo o prontuário já foi encaminhado para o Cremerj e para a Comissão de Óbito Materno Infantil Municipal para que haja avaliação rigorosa e independente.
Já sobre a criança que faleceu no Hospital de Emergência, também na manhã de sábado, exames complementares são aguardados.
A Prefeitura mais uma vez lamenta o ocorrido e segue oferecendo todo o suporte necessário às famílias."
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