Por gabriela.mattos
Rio - O comerciante licenciado Marcos Tadeu saiu inconsolável da 27ª DP (Vicente de Carvalho) após saber que não poderia registrar o assalto a mão armada que acabara de sofrer ao sair de casa. Assim foi a rotina de quem tentava fazer registros policiais na maioria das delegacias do Estado do Rio, no primeiro dia de paralisação dos policiais civis. Ontem, a greve de agentes penitenciários também alterou a rotina de todos os presídios. Visitas de familiares e advogados estão suspensas até segunda.
“Amanhã tenho uma perícia médica em Campo Grande e o bandido levou todos os exames que eu iria apresentar. Recebo um auxílio-doença porque depois que perdi meu filho, há seis anos, caí em uma depressão profunda e não consigo mais trabalhar. Se eu perder esse auxílio não sei como vai ser”, disse Marcos Tadeu, muito abalado.
Agentes penitenciários e policiais reivindicam salários atrasados Severino Silva / Agência O Dia

Durante ronda por algumas delegacias da cidade, a reportagem do DIA se deparou com unidades pouco movimentadas, com a maior parte dos atendimentos suspensa.

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Algumas, como a 5ª DP (Centro), estavam sem luz e ar-condicionado. Um cartaz na porta informava que registros de ocorrência somente em autos de prisão em flagrante (APF), remoção de cadáver, roubo ou furto de veículo e cumprimento de mandado de prisão.
O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio, Francisco Chao, explicou que a paralisação é um “pedido de socorro” da categoria. Na Cidade da Polícia todas as delegacias especializadas aderiram ao movimento. “Não seríamos humanos de sugerir que a DDPA (Delegacia de Descoberta de Paradeiros) pare com o caso do desaparecimento da menina de 11 anos (veja na página 4). Mas fora eles, toda a Cidade da Polícia está parada”, garantiu.
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Com 38 anos de carreira, um agente civil que prefere não ter a identidade revelada diz que nunca viu a segurança pública do Rio desse jeito. “É difícil ver as marcas de estilhaços de granada e tiros pelo corpo, marcas que vamos carregar para o resto da vida não serem respeitadas. Querem acabar com o nosso triênio, congelar salário. Isso não é justo”, relata.

Na 23ªDP (Méier), o próprio delegado, na recepção, já alerta quem entra na unidade. “Somente situações muito graves”. O técnico em telecomunicações Dino Cesar Martins esteve na 23ª DP para um aditamento no Boletim de Ocorrência que já havia feito pelo roubo de seu veículo, mas não conseguiu. “Apoio a categoria policial nessa paralisação, eles estão certos. O que não poderia acontecer é o governo deixar de pagar as áreas da saúde, educação e segurança. Eu sabia da greve, mas vim até a delegacia para tentar, de qualquer forma”.

Na 5ª DP (Centro), agentes relatam que sofrem desde a última semana com falta de luz. “Na sexta ficamos das 7h às 16h sem energia aqui. Hoje já tem uns 40 minutos que estamos nesse calor”, contou um deles. Na Delegacia Especial de Apoio ao Turismo (Deat), uma unidade que atende unicamente o turista estrangeiro e que funciona próximo a pontos turísticos não tem iluminação total na recepção.

Marcos foi assaltado%2C ficou sem documentos e não conseguiu registrar%2C o que o impediria perícia médica hojeAlexandre Brum / Agência O Dia

Muitas vezes os policiais trabalham em viaturas sem ar- condicionado, além da falta de insumos básicos como papel e tonner para a impressora, relataram alguns agentes da unidade. “A gente gostaria de trocar uma lâmpada, fazer alguma coisa pelo nosso local de trabalho, mas é uma unidade pública de serviço, não é tão simples assim”, disse um agente, sem se identificar.

“O policial é gente como qualquer outra pessoa. A gente tem contas a pagar. Quando o turista estrangeiro entra aqui e nós avisamos que estamos em greve porque estamos há quase dois meses sem salário eles quase caem para trás, sem acreditar que isso seria possível, mas entendem perfeitamente a nossa situação”, disse outro agente.
A Polícia Civil pede para o cidadão utilizar o registro online para casos que não sejam de urgência pelo site: https://dedic.pcivil.rj.gov.br/
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Impedidos de entrar em presídio, parentes criticam
Segundo agentes penitenciários, o clima é tenso no Complexo de Gericinó, em Bangu, por conta das restrições provocadas pela greve. Familiares de presos também reclamavam. “Deixamos de comprar coisas para nossas casas para oferecer a eles o mínimo de conforto, mas, ao chegarmos aqui, fomos impedidas de entrar e nem mesmo a entrega de alimentos está autorizada”, criticou a balconista Tatiana Cristina, 35, que foi visitar o marido e um filho presos.
Presos planejavam fugir por túnel escavado de fora para dentro da cela%2C mas buraco foi descobertoDivulgação

Uma mulher que aguardava na fila para visitar um parente disse que faltam itens básicos nas unidades, como medicamentos, água e comida. “A cadeia seria um local para regenerar, mas aqui só serve para piorar. Depois não entendem quando as coisas ruins acontecem”, se queixou outra mulher, que também não quis se identificar.

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Além do pagamento dos salários de dezembro e do 13º dos ativos, inativos e pensionistas, a categoria exige do estado uma ação mais contundente para garantir a segurança dos agentes que trabalham nos presídios.
Agentes descobrem túnel em cadeia
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Agentes penitenciários descobriram, no final da tarde de ontem, um túnel na Cadeia Pública Romeiro Neto, em Magé, unidade destinada a presos do Comando Vermelho (CV). Segundo os agentes, o túnel foi cavado de fora da unidade para dentro. O plano dos presos era fugir durante a madrugada de hoje, aproveitando a greve dos agentes penitenciários.
No entanto, a equipe que deixava o plantão decidiu fazer uma vistoria nas celas. Houve resistência dos internos, o que causou desconfiança e obrigou os agentes a pedir reforço ao Grupo de Intervenções Táticas (GIT). Com a chegada da tropa, a revista foi feita e o túnel, descoberto em uma das celas.
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“Apesar da greve, estamos atentos aos presos. Imagina se ocorre a fuga?”, desabafou um dos agentes penitenciários. Procurada pelo DIA, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) não atendeu as ligações e nem retornou os e-mails, indicando que a paralisação do sistema penitenciário teve maior adesão na área administrativa da Seap.
Reportagem de Bruna Fantti, Jonathan Ferreira, Paola Lucas e Wilson Aquino