Por thiago.antunes

Rio - O engenheiro Rafael Campello, que trabalha há quase 20 anos na construtora Andrade Gutierrez, disse, nesta quarta-feira, que em cinco oportunidades entregou envelopes, presumivelmente contendo dinheiro, a Wagner Jordão, que foi assessor do ex-governador do Rio Sérgio Cabral e é apontado como operador financeiro de propinas relativas à Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro.

Campello disse que foi orientado pelo gerente da empresa, Alberto Quintaes, para passar no departamento financeiro da empreiteira, pegar os envelopes e fazer as entregas. Para isso, ele marcava encontros, por telefone, com Jordão. “Ele entrava no meu carro, a gente dava umas voltas, e eu entregava o envelope dentro de um jornal”, contou o engenheiro, em depoimento na 7ª Vara Federal Criminal. A audiência foi presidida pelo juiz Marcelo Bretas e teve a presença do procurador da República Leonardo Freitas, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio.

Rafael Campello disse que presumia que, dentro dos envelopes, havia dinheiro, mas que nunca abriu nenhum deles para comprovar. Tinha informação sobre os valores que a empresa empregava na obra de urbanização da comunidade de Manguinhos, pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), porque, como gerente que atuava na obra, fazia o controle das planilhas. Ele destacou, porém, que não podia garantir se dentro dos envelopes havia as quantias definidas nos documentos da empreiteira.

“Taxa de oxigênio”

O engenheiro revelou ainda que, em alguns desses encontros, Jordão reclamou que as outras empresas que participavam do consórcio de Manguinhos, a EIT e a Camter, não estavam comparecendo com o pagamento da propina acertada, referente a 5% do valor da obra.

Antes da assinatura do contrato, houve pagamento mensal pela empresa, por um ano, de R$ 350 mil, para o esquema de propina. Além disso, havia a chamada “taxa de oxigênio” específica para pagamento ao ex-secretário de Obras Hudson Braga. “Era uma forma diferente de pagamento da propina”, informou Freitas.

A mesada foi confirmada pelo superintendente da Andrade Gutierrez, João Marcos de Almeida Fonseca, que prestou depoimento na tarde de hoje (15), antes de Campello. “Mesada para que fosse aquinhoada [a empreiteira] com projetos futuros”, afirmou Fonseca, que aderiu ao acordo de leniência da empreiteira. Ele trabalha na Andrade Gutierrez desde 1979, mas atuou no Rio de Janeiro nos anos de 2007 e 2008, início do primeiro mandato de Cabral.

Dinheiro vivo

A gerente da joalheria Antônio Bernardo, no Shopping da Gávea, Vera Lúcia Guerra, também prestou depoimento hoje na condição de testemunha. Ela disse que Sérgio Cabral e o empresário Carlos Miranda, apontado como operador financeiro do esquema de propina, costumavam comprar joias na loja sem nota fiscal para receberem descontos. Segundo Vera Lúcia, as compras eram parceladas com cheques pré-datados, que depois eles mesmos trocavam por dinheiro em espécie nos vencimentos. “Davam 10 cheques e todo mês iam lá trocar por dinheiro.”

De acordo com a gerente da joalheria, Cabral e Miranda eram clientes antigos da loja, onde compravam joias em datas festivas. “Aniversários, Dia das Mães, Dia dos Namorados, Natal. Sempre com desconto e sem nota fiscal a pedido deles. Eventualmente, pagavam com cartão”, revelou Vera Lúcia. Ela acrescentou que Adriana Ancelmo, mulher de Sérgio Cabral, também comprava joias com esse esquema e que Cabral nunca foi à loja para fazer a troca dos cheques por dinheiro. Sempre mandava alguém e, algumas vezes, quem fez isso foi o motorista Pedro Ramos.

Caminho certo

O procurador Leonardo Freitas disse que os depoimentos desta tarde confirmam que as investigações, até agora, estão no caminho certo. “Para nós, está bastante segura a produção da prova até o momento.” Os depoimentos foram prestados no âmbito da Operação Calicute, que identificou a atuação de uma organização criminosa para o recebimento de propinas no Rio de Janeiro.

Quanto à troca dos cheques na compra de joias, Freitas disse que ainda precisa aprofundar as investigações para garantir que se tratava de um esquema de lavagem de dinheiro. O procurador destacou que a quantidade de fatos que surgem com as investigações, não cansa de surpreender os integrantes da força-tarefa.

“Pelo valor, pela dimensão e pelo próprio pedido de adiantamento, como as testemunhas hoje confirmaram, antes de qualquer obra ser realizada, mostra uma estrutura muito intensamente voltada para esta prática criminosa. Não sei onde terá fim essa apuração, mas continuamos apurando.”

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