Rio - Bandidos fortemente armados do Complexo da Maré roubaram uma ambulância e sequestraram um médico no conjunto de favelas, na madrugada deste domingo. Segundo a polícia, "a operação de guerra" orquestrada pelos traficantes seria para socorrer Thiago da Silva Folly, o TH, chefe do tráfico na região. O profissional, cujo nome é mantido em sigilo para manter sua segurança, deve ser ouvido nesta segunda-feira na 21ª DP (Bonsucesso).
O caso ocorreu por volta de 2h30, após criminosos furarem uma blitz e trocarem tiros com policiais do Batalhão de Policiamento em Vias e Estradas (BPVE) na Avenida Brasil, na altura da Linha Amarela. Um policial militar acabou baleado e, após buscas, foi encontrado um fuzil FAL calibre 762 com luneta próximo a área onde houve o confronto. Na arma havia a inscrição "Tropa do TH". Os militares envolvidos na ação prestaram depoimento.
De acordo com o delegado Wellington Vieira, da 21ª DP, a ambulância estava no Engenho Novo quando foi acionada para um socorro na Maré. Chegando na comunidade, o motorista, que prestou depoimento na delegacia neste domingo, foi rendido e o médico levado pelos criminosos.
O médico foi mantido sob o poder dos traficantes por pelo menos cinco horas e foi abandonado na Baixada Fluminense, onde o baleado teria sido atendido em uma clínica. Inicialmente o delegado havia informado que o médico seria da UPA da Maré, mas voltou atrás e disse que o mesmo pertence à unidade do Engenho Novo, bairro de onde foi acionada a ambulância.
"Ele disse que tinha muitos traficantes e foi obrigado a tirar o uniforme que usava. Um bandido vestiu e eles roubaram a ambulância. Segundo ele, eram muitos bandidos fortemente armados com fuzis e pistolas. O médico foi obrigado a entrar na ambulância e foi levado pelos bandidos", disse o delegado, com base no depoimento do motorista.
Vieira acredita que o ferido seja TH, chefe do tráfico na Vila do João e outras sete favelas da Maré, ligadas ao Terceiro Comando Puro (TCP), ou algum braço-direito do traficante.
O delegado espera descobrir hoje para onde o baleado foi levado através do depoimento do médico e do GPS da ambulância, que foi abandonada pela manhã na porta da UPA da Maré. Imagens de câmeras da unidade de saúde e da Linha Amarela também foram solicitadas.
Agentes fizeram perícia no veículo e, com base no banco de dados, espera identificar os criminosos envolvidos no roubo e sequestro. Entretanto, o supervisor da empresa responsável pela ambulância afirmou em depoimento que ela foi lavada, o que pode dificultar a descoberta de digitais. O delegado disse que ele pode responder por fraude processual.
"Considero isso uma operação de guerra. Eles não fariam isso se não fosse um traficante que não tivesse uma importância para o tráfico. Acredito ser o TH ou um grande aliado dele." Vieira disse que os envolvidos identificados serão indiciados por roubo, sequestro e associação criminosa.
O Disque-Denúncia oferece R$ 2 mil por informações que levem o TH, ou Riqueza, como também é conhecido, à prisão. Segundo informações, ele faz parte da cúpula da facção TCP, que comanda o tráfico de drogas em 11 das 16 favelas do Complexo da Maré. Ele ganhou o posto após as prisões de Menor P e o seu irmão, Zangado.
'Isso é inadmissível', diz representante de médicos
Jorge Darze, presidente da Federação Nacional dos Médicos, mostrou apreensão com o caso ocorrido neste domingo. Segundo ele é preocupante a exposição de profissionais que trabalham diretamente com a população e não têm mínimas condições de segurança.
"Vemos com muita preocupação o que aconteceu. Esse é um atestado da omissão, da negligência e incompetência do estado que tem que garantir a segurança das unidades de saúde. Essa é uma obrigação constitucional do estado de garantir a segurança dos médicos. As unidades públicas de saúde, hoje, estão expostas. Os médicos trabalhando no fio da navalha pois não há segurança e nem segurança do ponto de vista da abordagem e nem da condição de trabalho", disse.
Segundo ele, órgãos de fiscalização precisam pressionar o estado a fazer a cumprir com a sua obrigação. "É preciso que o governo garanta segurança. O Ministério Público tem que tomar providências para dar segurança a esses profissionais. Esse tipo de caso é inadmissível. Agora, esse médico precisa de um período de tranquilidade. Espero que esse colega se recupere e que consiga voltar ao trabalho. Esse não é o primeiro e nem será o último caso", cobrou.
Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde informou que está dando todo apoio necessário aos profissionais da unidade e colaborando com as investigações da Polícia Civil.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) também se manifestou sobre o caso. Segundo o Cremerj, é "inaceitável que qualquer profissional de saúde sofra qualquer tipo de violência dentro de seu ambiente de trabalho".
O órgão também informou que já se reuniu com o secretário estadual de Segurança e com o Comando Oficial da Polícia Militar, para cobrar uma atitude mais concreta em relação à segurança.