Rio - Vivemos no fio da navalha’. O desabafo de um funcionário da UPA Cabuçu, em Nova Iguaçu, expõe como vivem os profissionais da saúde no estado diante da violência. Em 48 horas dois casos chamaram a atenção para a rotina de médicos, enfermeiros e auxiliares em unidades de saúde.
Após um clínico-geral ser sequestrado, no domingo, por bandidos armados de dentro da UPA da Maré para levar um suspeito baleado até uma clínica possivelmente clandestina, na madrugada desta terça, uma médica da unidade de Cabuçu disse, em depoimento, que quase levou um soco de um PM ao recusar a entrada de três homens baleados, que já estavam mortos.
Os policiais a levaram para a delegacia por desacato e acusam a profissional de tê-los agredido. Ontem, a Polícia Civil divulgou as imagens das câmaras da UPA Maré que gravaram a entrada de bandidos armados no local, na madrugada de domingo. Durante uma hora e meia, sete homens, alguns armados com fuzis, socorrem um comparsa ferido, baleado momentos antes em confronto com policiais na Linha Amarela.
As imagens mostram que os funcionários da unidade de saúde continuam a trabalhar apesar do vaievém de bandidos armados.
Segundo depoimento do motorista da ambulância levada pelos criminosos, cerca de 50 traficantes estavam na porta da unidade. O delegado Wellington Vieira, da 21ªDP (Bonsucesso), diz que o medo vivido pelos profissionais de saúde explica o motivo d ninguém ter chamado a polícia. Isso possibilitou que traficantes circulassem por 111 km, da Maré à Baixada e, horas depois, de volta à Maré, sem serem importunados.
O médico foi sequestrado para seguir na ambulância e depois levado de volta ao local em outro veículo pelos criminosos. Jorge Darze, presidente da Federação Nacional dos Médicos, afirma que a violência contra o corpo médico aumentou. Uma médica que trabalha em emergência pública confirma e conta que já recebeu até um corpo com uma granada no bolso.
“É comum recebermos baleados já mortos nos hospitais levados por policiais. A gente só faz atestar o óbito e encaminhar pro IML. É o que dá para fazer. Na clínica, uma vez, um traficante entrou na minha sala enquanto eu estava numa consulta porque queria ser atendido, mas disse para ele esperar e ele acabou entendendo”.
No episódio de terça-feira, na UPA de Cabuçu, um vídeo, publicado no DIA Online, mostra um PM alterado indo de encontro à médica, enquanto outras pessoas tentam contê-lo. O outro policial aparenta estar mais calmo e tenta controlar a situação.
Suspeito é investigado desde 2012
Renan Campos, 41, é o homem apontado pela polícia como o que foi socorrido por traficantes na UPA Maré no domingo. O delegado Wellington Vieira o descreveu como “estourado, nervoso, mas meticuloso”. Renan, conhecido como RN, não possui anotação criminal, mas é investigado pela polícia desde 2012, quando teria participado de uma troca de tiros na Linha Vermelha.
Na delegacia, em um álbum com fotografias de pessoas que teriam ligação com o tráfico
do Complexo da Maré, constam fotos de Renan encontradas no celular de um preso. Nelas, ele aparece segurando um fuzil. Segundo Vieira, a investigação aponta que RN seria o sucessor de Marcelo Santos das Dores, o Menor P, preso em 2014. Mas, por ter um perfil inconstante, foi preterido para o cargo.
O escolhido foi Thiago Folly. “Ele tem essa uma influência de liderança no tráfico. Os traficantes não iriam fazer o que fizeram por um zé ninguém”, apontou.
Colaborou Maria Inez Magalhães