Obstetra da rede pública relata que agressões e ameaças já fazem parte da rotina: 'O paciente ou familiar diz que vai te pegar lá fora' - Alexandre Brum
Obstetra da rede pública relata que agressões e ameaças já fazem parte da rotina: 'O paciente ou familiar diz que vai te pegar lá fora'Alexandre Brum
Por JONATHAN FERREIRA

Rio - A agressão sofrida por um médico, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Paciência, na noite de quinta-feira, por se recusar a emitir atestados médicos, evidenciou um problema de segurança enfrentado diariamente por profissionais de saúde e de outras áreas que lidam com o público. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o médico, que não teve a identidade divulgada por questões de segurança, foi agredido por dois pacientes que haviam solicitado um atestado médico, negado por ele. O vigilante da UPA e outros funcionários da unidade apartaram a briga e retiraram os agressores do local. A PM chegou a ser acionada, mas o médico não quis ir à delegacia registrar o caso. Os nomes e o paradeiro dos agressores não foram divulgados.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), Nelson Nahon, disse que a entidade irá tomar providências sobre o caso. "Os dois pacientes passaram por exames, e, após a liberação do laudo, o médico avaliou que ambos não precisavam de atestado. Ao receber a resposta negativa, os dois saíram da UPA. Momentos depois, eles retornaram, invadiram a sala e agrediram o médico", contou. O médico agredido usou as redes sociais para comunicar aos pacientes que continuará trabalhando na UPA de Paciência. Em uma página no Facebook, ele afirmou que não tem medo de enfrentamento e que ama os seus pacientes.

Nahon apontou a crise econômica e o sucateamento das unidades de saúde como fatores determinantes para o aumento nos casos de violência contra trabalhadores. "Estive na UPA de Copacabana na semana passada, à paisana, e só apareceu um segurança patrimonial quando praticamente entrei na sala destinada à pacientes graves. Com a redução orçamentária, foram reduzidos os seguranças nas unidades de saúde. As salas de espera deveriam ter câmeras. Essas medidas práticas ajudariam a reduzir atos de violência contra qualquer pessoa", avaliou. Ele afirmou que tem recebido diversas queixas de médicos que são ameaçados e agredidos em unidades de saúde em todo o estado. "Temos diversos relatos de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, que são profissionais que estão na linha de frente, no primeiro atendimento, principalmente nas unidades com urgência e emergência, como UPAs e Hospitais", revelou.

Um obstetra, que trabalha em duas maternidades em comunidades dominadas pelo tráfico e pediu anonimato, afirma que agressões de pacientes e familiares já fazem parte da rotina. "As agressões físicas começam com empurrão e vão até socos e pontapés. As ameaças acontecem a todo momento. O paciente ou familiar diz que vai te pegar lá fora. Alguns dizem que, se algo acontecer com a mulher ou o filho, irão se vingar", relatou.

O obstetra conta que há até um caso de um traficante que queria que a mulher fizesse cesariana e ameaçou o médico, que avaliou ser o parto normal a melhor opção. "Às vezes, é uma ameaça velada. Como temos que trabalhar na favela, somos obrigados a seguir a ordem", denunciou. Ainda segundo ele, ao sofrer agressões físicas, os profissionais dificilmente registram o caso na delegacia por medo.

A PM informou que ao chegar na UPA de Paciência, 30 minutos após a chamada, o auxílio policial foi dispensado. A Secretaria Municipal de Saúde informou que o médico agredido não quis ir à delegacia e que o profissional está recebendo apoio da coordenação da unidade. Em relação à denúncia do Cremerj de que houve redução no número de seguranças na UPA de Copacabana, a Secretaria Estadual de Saúde (SES) informou que todas as unidades da rede contam com vigilantes.

Professores e motoristas sob risco
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As ameaças sofridas pelos médicos também afetam o trabalho de educadores e trabalhadores do setor de transporte. A coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Marta Moraes, disse que 30% dos afastamentos médicos estão ligados à problemas psiquiátricos contraídos por medo da violência em sala de aula. "Muitas vezes, quando são chamados para conversar, os responsáveis pelos alunos tratam o professor de forma agressiva. Ao invés de ajudar a melhorar a indisciplina da criança, eles se viram contra o professor", reclama.
O cotidiano violento foi apontado pela coordenadora do Sepe como uma das causas que interferem na postura dos alunos. "Em muitos casos, as crianças têm atitudes agressivas dentro da escola porque ela vivencia um cotidiano violento. A criança chega na escola e repete essa realidade com os professores", avalia Marta, ressaltando que a violência contra os educadores não acontece só em áreas consideradas de risco.
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A violência é a maior causa de afastamento dos profissionais que trabalham nas linhas de ônibus do Rio. De acordo com o presidente do sindicato (Sintraturb), Sebastião José, além dos assaltos, os profissionais são submetidos à ameaças e agressões que partem de criminosos a passageiros que querem parar fora do ponto. "Antigamente os afastamentos médicos eram por causa de problemas na coluna e hemorroidas. Atualmente, os problemas psiquiátricos relacionados à violência estão no topo da lista", lembrou José.
 
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