Rio - Quinta-feira. 13h26. A juíza Márcia Correia Hollanda, da 47ª Vara Cível do Rio, pede para os advogados da Google Brasil Internet Ltda. e do Psol entrarem na sala 322-C do prédio do Tribunal de Justiça, no Centro. Na porta, dois policiais militares e dois seguranças acompanham. Duas horas e meia depois da audiência de conciliação, o acordo estava selado: a criação de um canal direto de troca de informações entre o provedor responsável pelo YouTube e o partido para combater, na plataforma de vídeo, as fake news sobre a vereadora Marielle Franco, morta a tiros em 14 de março.
O caso de Marielle é emblemático e serve de alerta para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do que está por vir na guerra digital durante as campanhas dos candidatos neste ano. Até agora, o Psol já conseguiu na Justiça retirar do ar 16 de 40 vídeos com notícias falsas envolvendo o nome da vereadora.
"O YouTube será o espaço de informações exageradas, não checadas, na forma de opinião e tenderá a circular nas redes. É algo inevitável dado que o Brasil vive uma crise institucional política de alta intensidade", diz Fábio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e especialista em mídias sociais.
Para Fábio Malini, o papel do Youtube na campanha será como o de uma ferramenta de comunicação com força entre os candidatos e os eleitores. Segundo o professor, apesar de o Facebook e o Twitter terem mais popularidade nas redes sociais, a divulgação desses vídeos será impulsionada por outro canal: o Whatsapp.
"É bem fácil fazer um donwload de um vídeo no Youtube e espalhá-lo pelo Whatsapp. Acaba que um dispositivo alimenta o outro", ressalta Malini.
Procurado pelo DIA, um estrategista de campanha de um candidato a prefeito, em 2016, admitiu ter autorizado a produção de videos contra adversários. Além disso, a equipe editou e espalhou imagens com declarações constrangedoras de oponentes.
"Todo candidato tem o objetivo de desconstruir a imagem de quem está concorrendo contra ele. É hipocrisia falar que não. Nos nossos vídeos, procuramos, justamente, mostrar ao eleitor quem de fato era aquele político, quais os processos que ele respondia, de quem era aliado", afirmou.
Em 2014, os principais candidatos à Presidência da República foram vítimas das notícias falsas no YouTube. A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), torturada durante a ditadura militar, foi acusada nas imagens de ser terrorista. O adversário Aécio Neves (PSDB), por sua vez, apareceu como um viciado em drogas. Já Marina Silva (à época no PSB), por ser evangélica, foi acusada de ser homofóbica.
E não é difícil encontrar empresas virtuais que atuam para disparar vídeos mais rapidamente com notícias falsas ou com conteúdo a favor de um determinado candidato. Elas trabalham para aumentar a quantidade de visualizações e curtidas. A compra do serviço pode ser feita por cartões de crédito em até 18 vezes ou por boleto bancário. Mil visualizações, por exemplo, pode custar a partir de R$ 9. Cem curtidas, R$ 10,50.
No episódio de Marielle Franco, os vídeos ganharam força nas redes sociais no mesmo dia de seu assassinato e com informações falsas. Entre elas, a de que a vereadora, então moradora do Complexo do Alemão, mantinha relação com o tráfico de drogas. Com a ajuda de militantes e simpatizantes, o Psol conseguiu reunir 20 mil links que continham boatos, calúnias e difamações contra Marielle.
"Existe uma preocupação generalizada com o avanço das fake news como estratégia política. Isso desequilibra a democracia. Os 40 vídeos contra a Marielle tiveram até agora 14 milhões de visualizações. Os vídeos são a forma de interação que as pessoas mais gostam", afirmou Samara Castro, advogada do Psol.
No Rio, a Delegacia de Repressão a Crimes de Internet tem inquéritos para investigar vídeos com notícias falsas no YouTube. Mas o delegado Pablo da Costa não quis falar sobre os casos.