Sambistas do CD 'É Preta': Nina Rosa, Simone Costa, Marcelle Motta, Marina Iris e Maria Menezes
 - Marcio Mercante / Agencia O Dia
Sambistas do CD 'É Preta': Nina Rosa, Simone Costa, Marcelle Motta, Marina Iris e Maria Menezes Marcio Mercante / Agencia O Dia
Por FRANCISCO ALVES FILHO

Rio - Em meados do século passado, quando Dona Ivone Lara começou a compor sambas, o ambiente era dominado pelos homens. "Quem botava o nome nas composições era meu primo, Mestre Fuleiro. Só assim é que respeitavam, mulher não tinha vez", contou ela, em várias entrevistas. Foi a primeira a ganhar a disputa de samba-enredo em uma grande escola. Dessa época para cá, o trabalho da pioneira, que morreu na última segunda-feira, e de outras desbravadoras rendeu muitos frutos. Hoje, apesar de ainda existir predominância masculina , quem freqüenta as batucadas cariocas percebe que as mulheres passaram para a frente da cena.

"No samba, este debate está vivo. As mulheres estão cada vez mais ocupando e buscando fazer coisas juntas", acredita Marina Iris, sambista da nova geração que aparece com sua voz possante nos CDs 'É Preta' e também em 'Rueira', lançado pelo selo Biscoito Fino. "O saldo é bem positivo, mas precisamos ir além".

O disco 'É Preta' serve como bom exemplo para essa união feminina. Projeto musical que reúne cinco cantoras negras do samba, foi idealizado e dirigido por Marina, e pago através de financiamento coletivo. "A gente mantém a resistência dos sambistas de sempre, mais a forma independente-coletiva de se virar", explica Nina Rosa, uma das belas vozes do CD. Também integrante do projeto, Simone Costa acrescenta: "Trazemos a ação negra e feminina no samba sob nova perspectiva, sem espaço para rivalidade, somente união". Além delas, estão no CD Marcelle Motta e Maria Menezes, esta conhecida pela participação no grupo Arruda.

Nas rodas de samba que se multiplicam pelo estado, elas estão participando cada vez mais. Algumas rodas são formadas totalmente por mulheres. É o caso da Moça Prosa, grupo que tem formação 100% feminina. Criado em 2012, tem nove integrantes e faz apresentações mensais no Largo de São Francisco da Prainha, no Centro. "Começamos como uma oficina de instrumentos e acabou virando roda", explica Fabíola Machado, uma das participantes. No final de março, o Moça Prosa reuniu 70 mulheres sambistas de várias partes do Brasil para uma emocionante homenagem a Ivone Lara, na Casa do Jongo, na Serrinha. "Ela enfrentou o machismo e, mesmo tendo composições anteriores, só se reconheceu como sambista após a aposentadoria", recorda Fabíola.

Outra roda feminina é o Samba que Elas Querem. Em julho do ano passado, a proposta se resumia a reunir mulheres pra tocar, sem a pretensão de montar um grupo. Pensavam apenas que no futuro poderiam sentar num bar e fazer a própria roda. "Fizemos a primeira num esquema bem precário, mas foi um sucesso", conta Cecília Cruz, uma das oito integrantes. "Queremos ocupar o espaço das rodas de samba que também é nosso". Entre uma música e outra, mandam para o público mensagens para destacar os males do machismo e defendem o feminismo.

A roda de samba promovida pelo grupo Moça Prosa, no Largo de São Francisco da Prainha, costuma ficar lotada - FOTOS DE Divulgação

A cantora Teresa Cristina diz que nunca foi preterida pelos sambistas por ser mulher, mas reconhece a existência do problema. "O Brasil é um país machista, e o samba reflete isso porque canta as nossas atitudes. Casos isolados de machismo, independente do setor, devem ser denunciados; só assim diminuirá", acredita ela.

A julgar pelo cenário atual, na luta iniciada por pioneiras como Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus, e mantida por figuras como Beth Carvalho, Alcione e Leci Brandão, elas já podem ser consideradas vitoriosas.

Mais destaque para as compositoras
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Espaço em que a presença feminina ainda precisa ficar mais visível é o da composição. "Sinto falta de mulheres compositoras, não que elas não existam, mas que haja divulgação dessa linha autoral. Não basta só que as mulheres cantem samba e componham, mas que se fale disso com mais frequência", defende a cantora Teresa Cristina.
Marina Iris destaca que a presença feminina sempre teve sua importância no samba, pelas chamadas 'tias', as matriarcas. "Agora, reivindicamos o direito de ocupar outros lugares. Para transformação dessa realidade ainda machista, devemos assumir a narrativa e trazer a marca das mulheres na composição", diz ela, que é autora de quatro músicas no CD 'É Preta'.
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É opinião parecida com a de Fabíola Machado, do Moça Prosa. "Há mulheres compositoras, mas elas sofrem um processo de 'invisibilização'. É preciso torná-las visíveis".
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