Igor Peres (à esquerda) não vê problema em usar a blusa da seleção na Copa do Mundo. Já Marco André (à direita) diz que não 'vale a pena esse nacionalismo falso' - Alexandre Brum / Agência O Dia
Igor Peres (à esquerda) não vê problema em usar a blusa da seleção na Copa do Mundo. Já Marco André (à direita) diz que não 'vale a pena esse nacionalismo falso'Alexandre Brum / Agência O Dia
Por Gabriela Mattos e Karilayn Areias

Rio - A equipe de Tite está oficialmente convocada e falta um mês para o início da Copa do Mundo da Rússia. Mas a instabilidade política nacional colocou em xeque até mesmo a camisa da seleção brasileira. Em 2015, o tradicional uniforme amarelo foi utilizado em manifestações por movimentos pró-impeachment de Dilma Rousseff. De lá para cá, partidários da agora ex-presidente passaram a associá-la a "golpistas". Com isso, criou-se um racha no modo de torcer dos brasileiros: há quem jure que não vestirá a "amarelinha" para torcer durante a Copa do Mundo da Rússia por temer ser rotulado como "coxinha". Tanto que uma designer mineira chegou a criar uma versão alternativa, vermelha e "mortadela", para a blusa oficial da CBF.

"Acho que, no momento político que estamos vivendo, não vale a pena esse nacionalismo falso. Com o tanto de problemas que enfrentamos, não tem o menor nexo usar verde e amarelo para torcer pelo Brasil", destaca o sambista Marco André, de 59 anos, que diz não ter uma camisa específica para assistir aos jogos da Copa. "Talvez vista a camisa do Flamengo ou uma vermelha, em sinal de protesto", disse.

Igor Peres (à esquerda) e Marco André - Alexandre Brum / Agência O Dia

Assim como o sambista, o jornalista Caio Bellandi, de 28 anos, afirma que o futebol se mistura com a política. Sua bronca com a amarelinha, porém, é mais antiga que o racha entre "coxinhas" e "mortadelas": ele conta que deixou de usar a blusa em 2002, quando perdeu a identificação com a seleção brasileira. "Primeiro, com muitos jogadores distantes, atuando na Europa; depois, a própria seleção mal jogava no Brasil. Por fim, a CBF, que parece não gostar do futebol e usa a seleção apenas para ganhar dinheiro", enumera o jornalista, que tem uma coleção de uniformes de outras seleções.

Jornalista Caio Bellandi com a coleção de camisas de outras seleções - Arquivo Pessoal

Já o professor de dança Igor Peres, de 24 anos, acredita que não há problemas em vestir a camisa da seleção. Para ele, as pessoas precisam separar posicionamento político de futebol. "É hipocrisia. Não é uma blusa  que me define politicamente. Não tem como misturar as duas situações", completa Igor, acrescentando que costuma curtir e torcer na Copa do Mundo com amigos e sua família.

O empresário Edimar Nobre, de 32 anos, tem uma coleção com 11 blusas da seleção brasileira. Ele diz que entende quem não vai vestir o uniforme, mas reforça que atualmente as opiniões sobre a política estão muito polarizadas. "As pessoas perdem a interação, a união. Nossa blusa amarelinha é muito maior do que qualquer discussão pró ou contra algo. A política é tão suja, mas as pessoas continuam defendendo um político ou outro, e isso que eu acho errado", opina.

Empresário Edimar Nobre coleciona camisas da seleção brasileira - Arquivo Pessoal

Futebol e política

A ligação do futebol com a política aparece em diversos momentos da história do Brasil. O jornalista José Trajano explica que o futebol está inserido dentro do contexto social do país. "Se você fizer um retrospecto da nossa história política e do futebol, verá que a própria ditadura militar se aproveitou da vitória do Brasil nos anos 1970", exemplifica.

Segundo Trajano, a blusa canarinho perdeu o encanto e agora, depois das manifestações pró-impeachment, está associada a "um tipo de comportamento político". O jornalista afirma que deve torcer para a seleção com a blusa do América, seu time de coração. "Nunca usei a camisa do Brasil por conta da minha profissão. Não tinha como", destaca, acrescentando que roupa "alternativa" criada pela designer Luísa dos Anjos é "uma provocação, uma sátira".

José Trajano deve vestir o uniforme do América, seu time do coração, durante a Copa do Mundo - Reprodução Facebook

Opção para quem não quer vestir amarelo

Quem procura uma roupa para torcer pelo Brasil na Copa pode encomendar a camisa criada por Luísa. A blusa é vermelha e, no lugar da marca do patrocinador, há uma foice e martelo, símbolos do comunismo. Desde o último dia 19, ela vende uma segunda versão da vestimenta, já que a primeira foi proibida pela CBF. No primeiro modelo havia o símbolo da confederação. “A camisa vermelha marca a nossa política de esquerda e passa nossos ideais, em busca de um país menos desigual e com acesso a recursos de forma mais igualitária”, afirmou Luísa.

Manifestantes usaram camisas da seleção em protesto a favor do impeachment de Dilma Rousseff - Arquivo / Agência O DIA

A designer explicou que a blusa foi criada inicialmente de maneira informal entre amigos e, por isso, ela manteve a marca da CBF. No entanto, a publicação viralizou e ganhou maior repercussão no país. “Não coloquei as camisetas à venda e pedi que as pessoas esperassem por uma posição minha, porque sabia que teria problemas com a CBF. Como designer, estive o tempo todo ciente de que não poderia ter feito uso da marca, mas nunca esperei que fosse ter essa repercussão toda. Três dias depois da postagem, a CBF me enviou uma notificação extra judicial, onde pedia para parar imediatamente a produção e venda das camisetas e me comprometer a não fazê-las mais”, disse.

Blusa criada pela designer Luísa dos Anjos - Reprodução Instagram

Os interessados em comprar a blusa precisam encomendá-la. Luísa destacou que não há um estoque de camisetas, já que ela não tem fundos para investir na produção em grande escala.

“A venda está sendo realizada por meio do Mercado Livre e sob encomenda. Pedimos 15 dias para produção das camisetas e postagem. A camisa com o escudo novo, criado por mim, só saiu dez dias após a postagem inicial. De lá pra cá, vendemos em torno de 500 blusas, mas os pedidos continuam chegando”, completou.

Em relação à blusa criada por Luísa, a CBF confirmou que o departamento de Marketing da instituição entrou em contato com a designer, que logo interrompeu a produção.

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