Vânia ao lado do marido e dos dois filhos, de 10 e 8 anos - Divulgação
Vânia ao lado do marido e dos dois filhos, de 10 e 8 anosDivulgação
Por RAFAEL NASCIMENTO

Rio - Familiares de Vânia Silva Tibúrcio Lopes, a costureira de 36 anos que foi baleada no pescoço por um cabo da PM na noite desta segunda-feira, acusam o policial militar de despreparo. Segundo Carlos Alberto Lopes Júnior, marido da vítima, a viatura estava seguindo o carro desde uma rua próxima a sua casa e atirou sem realizar uma abordagem. O filho mais novo de Vânia, de apenas 8 anos, pergunta constantemente sobre a mãe. 

"Eu estava com meus filhos agora, ele choram muito. O mais novo, de 8 anos, ainda não entendeu muito bem o que aconteceu. Ele pergunta o tempo todo da mãe: 'Pai, ela vai vir hoje?'", conta Carlos Alberto.

“Eu sai de casa com ela e no caminho tinha uma viatura parada. Passei com a luz interna ligada. Mais na frente, paramos em um mercado. Descemos para comprar coisas pro café da manhã. Quando saímos, a viatura continuou seguindo. Paramos em um posto e depois disso a viatura ligou a sirene. Uma outra viatura que estava parada no sinal ficou do nosso lado, já colocaram a pistola pra fora e mandaram eu descer. Eu coloquei a mão na cabeça e falei ‘tudo bem, tudo bem’. Um dos policiais que estava seguindo a gente atirou no carro. Eu me assustei, tirei o pé da embreagem e o carro deu um tranco. Eu falei ‘segura, meu amigo, segura, calma, calma’, e nisso veio um outro disparo que atingiu minha esposa”, conta.

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Segundo Carlos Alberto, o carro tinha sido roubado no dia 29 de abril. No dia seguinte, o registro de ocorrência foi feito, mas no mesmo dia o veículo foi recuperado. O marido de Vânia retornou na delegacia para se informar como deveria fazer para voltar a rodar com o carro.

“Para voltar a rodar com o carro eu tinha que ir no Pátio Legal, era só lá que dava baixa no documento de roubo. Naquela época eu estava sem dinheiro e resolvi deixar o carro guardado. Agora eu juntei um pouco, paguei os Dudas, e ia lá. A Polícia Civil me deu um boletim de ocorrência e falou pra apresentar no Pátio Legal. Se eu fosse parado por uma viatura era pra eu apresentar esse documento, falar que o carro era meu e eu estava indo regularizar”, conta Carlos Alberto.

No dia da ocorrência, Carlos Alberto saiu mais cedo do trabalho e foi para casa buscar Vânia. Os dois iriam dormir na casa de seus pais, no Centro de Caxias, para que no dia seguinte pudessem ir ao Pátio da Polícia Civil. Segundo ele, lá são distribuídas somente 10 senhas por dia e, por isso, o casal queria chegar cedo. Para isso, ficariam na casa de seus pais por questões de segurança. O casal mora no Parque São José, área de risco, e seria perigoso circular logo cedo pela manhã.

Vânia estava no carro com o marido quando foi atingida pelo disparo - Arquivo Pessoal

“Se eles pegaram a placa e viram que o carro era roubado, eles podiam ter abordado no mercado. A gente desceu, fizemos compras. Ainda paramos no posto, podiam ter abordado ali também”, conta Carlos Alberto. “Não dá pra sair cedo lá de casa. Vivemos em um Rio abandonado. Não temos leis, não temos policiais preparados”, desabafa. "Eles não podiam ter entrado na frente e cercado, ter feito a abordagem", completa. 

Segundo Carlos Alberto, o PM responsável pelo disparo que atingiu Vânia ainda pediu desculpas logo depois da ocorrência.

“O policial me pediu perdão várias vezes. Ele falou ‘me perdoa, me perdoa, é muita adrenalina. A gente trabalha na rua com muita adrenalina’. Eu respondi pra ele: ‘sua adrenalina foi usada na pessoa errada’”, conta o marido de Vânia.

“Ele falava ‘amigo, me perdoa, me perdoa, eu sou pai, tenho filho, eu não quero mais ficar na rua, eu não sou mal, foi uma fatalidade’. Eu respondi, ‘tudo bem, mas o seu filho vai estar com a mãe, e os meus?’”, desabafa.

“Eu perdoo o policial diante da lei de Deus, porque eu tenho que perdoar. Mas perdoar pelo ato dele jamais. Ele deu um tiro pra matar. Se a intenção não fosse essa ele ia ter atirado na lataria, no pneu. Eu não perdoo por isso, ele veio pra matar. Ele acabou com uma família, ele é um policial despreparado”.

“Não tinha blitz, eu não furei nada, se tiver imagem de câmera vocês vão ver, tanto que na mesma hora ele me pediu perdão e disse que ia levar minha mulher pro hospital”, desabafa.

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Vânia tem dois filhos pequenos, um de 10 anos e outro de 8 anos. Ela trabalhava em casa com confecção de roupa. Seu marido, Carlos Alberto Lopes Júnior, trabalha no setor de manutenção em uma emissora de TV.

Segundo Paulo César Tibúrcio, irmão da vítima, seu sonho era comprar um carro e sair do seu bairro.

“Eles conseguiram esse há 1 ano e meio. Eles queriam comprar uma casa fora do Parque São José também porque lá é muito violento. A minha irmã é uma pessoa alegre, trabalhadora, feliz, luta pra conseguir os seus objetivos”, conta.

“É uma violência sem fim. A gente sai pra trabalhar, pra cumprir nossas obrigações e não sabe se vai voltar bem pra nossa família. O Rio de Janeiro está demais. A gente nunca imagina que vai acontecer com a nossa família, ela só queria quitar o carro, foi a primeira vez que ela saiu com o carro depois do roubo, estava indo legalizar os documentos e acontece isso”, conta.

“Minha mãe chora toda hora, meu cunhado está muito abalado, todos estamos, é uma violência sem fim, uma injustiça”, finaliza.

Os policiais militares estão sendo ouvidos, neste momento, pela Corregedoria da Polícia Militar. O jornal O DIA tenta contato insistentemente com a Polícia Militar para que a corporação comente o caso. No entanto, a PM se recusou a responder as perguntas.

Segundo a Polícia Civil, a Delegacia de Homicídio da Baixada Fluminense (DHBF) instaurou inquérito policial para apurar as circunstâncias da abordagem e do disparo. Os policiais militares prestaram depoimento e tiveram as armas apreendidas para exame pericial. A polícia busca agora testemunhas e imagens que possam ajudar no esclarecimento do caso.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde de Duque de Caxias, Vânia foi atingida na lateral do pescoço e está internada no Centro de Terapia Intensiva (CTI) do Hospital Municipal Dr. Moacyr Rodrigues do Carmo. O disparo atingiu duas vértebras e se alojou na base do crânio. Seu estado é grave, mas estável, e a vítima respira com a ajuda de aparelhos. 

Informações ainda dão conta de que a diretoria do hospital acionou a DHBF e comunicou precipitadamente que Vânia teria morrido. Depois, voltaram atrás e disseram que ela estava em estado grave. A Prefeitura de Duque de Caxias apura quem passou a informação equivocada.

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