Cecília Maria da Conceição,74 anos, foi ao hospital mas a consulta foi cancelada porque o medico teve um imprevisto. Ela mora em São João de Meriti e tem câncer no intestino - Maíra Coelho
Cecília Maria da Conceição,74 anos, foi ao hospital mas a consulta foi cancelada porque o medico teve um imprevisto. Ela mora em São João de Meriti e tem câncer no intestinoMaíra Coelho
Por WILSON AQUINO

Rio - O alerta é assustador. Uma unidade inteira do Hospital Federal do Andaraí (HFA) entrou em processo de extinção por falta de médicos. E não é qualquer setor. É a unidade cardiointensiva, onde vítimas de males como infartos agudos no miocárdio necessitam de cuidados urgentes para evitar as complicações cardiovasculares que, quando não matam, deixam sequelas que comprometem a qualidade de vida do infartado. Dos seis leitos da unidade, dois já estão fechados. Restam quatro pacientes internados, que, segundo funcionários do HFA, estão apenas aguardando transferência.

A previsão sombria partiu de ninguém menos do que o próprio chefe da unidade cardiointensiva do HFA, o médico Geraldo Ventura Chedid. Em e-mail encaminhado à direção geral do hospital, Chedid conta que a falta de médicos tornou o funcionamento da unidade insustentável. Ele explica que duas médicas entraram de licença-maternidade e um outro cardiologista está se aposentando. "Assim, visando minimizar o impacto de se chegar o dia no qual não haverá plantonista, informo que os leitos que forem vagando a partir de hoje serão fechados, evitando-se que, quando chegar este dia, ainda existam pacientes internados", avisa Chedid, que mandou a mensagem na última terça-feira.

Procurado, o Ministério da Saúde negou. Em nota, informou que "quatro profissionais do processo seletivo de 2018 foram selecionados para atuarem imediatamente no Serviço de Cardiologia da unidade, que conta com atendimento de alta complexidade e leitos de terapia intensiva". E diz mais: "Além da manutenção da força de trabalho já existente, o HFA recebe um reforço adicional de 721 profissionais, convocados deste último processo seletivo, que estão sendo distribuídos de acordo com as prioridades assistenciais da unidade". O órgão, no entanto, não informa quando o reforço chega.

O caso chegou ao conhecimento do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj-RJ), cujo presidente, o clínico Sylvio Provenzano, que chefiou a emergência do HFA durante 13 anos, prometeu tomar providências. "O Hospital do Andaraí é uma referência de bom atendimento na Zona Norte. Vamos solicitar a recolocação dos médicos na unidade", garantiu Provenzano, que já marcou reunião com o Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), órgão responsável pela gestão dos seis hospitais do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro.

O que preocupa médicos, apavora pacientes. Segundo a psicóloga Sonia Machado, 49, que foi ao HFA fazer exame de tomografia, os comentários são de que outros setores também podem ser fechados. "Nada deveria fechar ou deixar de existir em um hospital. Enquanto as pessoas brigam por política essas coisas acontecem", reclama. A dona Cecilia Maria da Conceição, 74, que mora em São João de Meriti e luta contra um câncer no estômago, é vítima do desmonte do hospital. Ontem, ela foi à toa ao HFA. "Eu tinha consulta marcada para 14h, mas não tem médico", contou.

"Sinto que sou lixo. Venho de longe, sentindo dor, para não ser atendida. Estou há um ano esperando pela cirurgia e não tenho certeza se vou conseguir esperar mais", lamentou dona Cecília, que depende da sobrinha Claudete Barros, 48, para se locomover. Marcia Pinto, 55, está com a mãe de 79 anos no CTI do HFA aguardando data pra cirurgia. Ela disse que questionou no hospital sobre o fechamento da unidade e foi informada que o CTI geral deve assumir o serviço.

Poucos médicos são contratados

"Está havendo um descompasso entre a velocidade da contratação de médicos e a realidade da Saúde". O diagnóstico é do presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Jorge Darze. Segundo ele, o Ministério da Saúde baixou uma portaria, em março, autorizando a contratação de 3.592 profissionais de saúde, dos quais 1.340 médicos para a rede de hospitais federais do Rio.

"Já estamos em outubro e até agora o quantitativo não foi contratado. Embora alguns poucos médicos tenham sido chamados, a grande maioria ainda precisa ser contratada. Esta situação de penúria é conhecida há muito tempo", reclamou o médico.

Segundo Darze, muitos setores de hospitais federais se encontram em situação parecida com a unidade cardiointensiva do Andaraí. "Estão agonizando!", denunciou o presidente da Fenam, citando como exemplo a novíssima emergência do Hospital Federal de Bonsucesso, inaugurada em fevereiro, mas que até hoje não funciona plenamente por falta de profissionais. "Por que não fazem concurso para suprir o déficit?" questionou.

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