Rio - A determinação da prisão do DJ Rennan da Penha pela Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça provocou reação de movimentos sociais e instiuições, como a OAB, que consideram a decisão injusta. Os desembargadores consideraram comentários sobre o tráfico de drogas e críticas à atuação policial em redes sociais, além de manifestações de afeto do DJ Rennan da Penha com pessoas supostamente envolvidas com atividade criminosa, suficientes para demonstrar a associação do artista com o tráfico de drogas.
O depoimento de um delegado como testemunha também foi considerado para reverter a absolvição do idealizador do Baile da Gaiola em primeira instância e condená-lo a 6 anos e oito meses de prisão. Os mandados de prisão devem ser expedidos ainda esta semana.
A Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro, declarou que espera que o caso seja reavaliado em cortes superiores. "A OAB/RJ manifesta preocupação e repúdio ao uso do sistema de justiça criminal contra setores marginalizados da sociedade com a finalidade de reproduzir uma ideologia dominante em detrimento da cultura popular", diz em um trecho.
A primeira instância absolveu o DJ por falta de provas, mas no último dia 20, o Tribunal de Justiça do Rio reverteu esta decisão e determinou a sua prisão, além da de outras dez pessoas.
Confira os motivos que levaram o relator do caso na Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, 'à convicção' de que Rennan da Penha teria associação com o tráfico:
Adolescente disse que Rennan era DJ dos Bandidos
Um adolescente apreendido por atuação no tráfico disse em depoimento que Renan "é conhecido como DJ dos bandidos" e responsável pela organização de bailes funks proibidos nas comunidades do Comando Vermelho. Segundo o adolescente os bailes pretendiam "atrair pessoas e aumentar as vendas".
A testemunha de defesa de Renan, respondeu que o DJ é conhecido na comunidade por ser um artista do "mundo do funk". Ele disse que nunca ouviu falar do envolvimento de Renan com o tráfico de drogas.
Delegado diz que Rennan atuaria como vigilante
Um delegado disse como testemunha que Rennan da Penha atuaria na área de 'vigilância do tráfico' e também exerceria a atividade de DJ. Segundo ele, a atuação de Renan seria informar a movimentação dos policiais em redes sociais e contatos no WhatsApp. Seriam mensagens como "o Caveirão está subindo pela Rua X” ou “a equipe está perto do ponto tal”, segundo o delegado.
Interrogado, Rennan disse que não participa de organização criminosa como "olheiro" nem promove bailes funk com a finalidade de enaltecer o tráfico de drogas. Ele disse que não teria tempo disponível, nem necessidade financeira, de exercer a atividade, pois realiza em média 15 bailes por semana.
A testemunha de defesa destacou que avisos nas redes sociais sobre operações policiais são comuns, e disse que ele próprio, que trabalha com comunicação e é ativista de Direitos Humanos, tem vários espaços de troca de informações com os moradores.
O empresário de Rennan disse que as redes sociais anunciam a entrada do blindado da Polícia Militar na comunidade a fim de alertar os moradores, para a segurança da população.
Ativista e amigo de Rennan, Raull Santiago ressalta que na primeira instância o DJ não teve dificuldade em provar sua inocência ao demonstrar seu trabalho. Ele avalia que agora, com agenda cheia e no auge da carreira, voltará a fazê-lo.
"O Rennan é o maior funkeiro do Brasil, mudou a geração do funk, traz o funk mais agitado, o 150 BPM. A partir disso ele trouxe os DJs de volta à cena, que ficavam em segundo plano em relação aos MCs. Ele está com agenda lotada, entrevista com o Bial, turnê na Europa. Decidiram condená-lo sem conversar para entendê-lo. O Rennan gera recursos para ele mesmo e outras 25 famílias com seu trabalho", defende.
Foto com arma
O delegado também relatou que constam fotografias de Rennan da Penha ostentando armas de grosso calibre.
Sobre a foto, Rennan disse que foi tirada no Carnaval de 2013, quando, segundo ele, é comum fazer armas com madeira e fita isolante. Amigo do DJ, Raull Santiago se aproximou de Rennan ao convidá-lo para tocar em uma matinê que organizou no Complexo do Alemão, em 2015. Ele conta que o registro foi feito em uma festa de Carnaval, na qual tinha uma barrraca.
“Era o Carnaval de rua autorizado na Estrada do Itararé, no Complexo do Alemão, que tinha muita gente fantasiada de árabe, usando arma de madeira ou de caixote com fita isolante”, diz.
O desembargador do TJ Antônio Carlos Amado considera que o fato de a arma ser verdadeira ou não pouco importa. "Parece evidente que a exibição de uma arma (pouco importa se verdadeira ou não) contribui, sem dúvida, para mostrar a existência de um grupo criminoso armado". Ele classifica a versão da defesa de que tudo não passa de uma exibição carnavalesca de "inocente e, por isso, inverídica".
"Por que alguém iria se exibir com uma arma fictícia, a não ser para demonstrar poderio e arrogância?", questiona o desembargador. Ele complementa que pessoas que aparecem na foto com Renan fazem sinal com as mãos em referência à uma possível facção, ou a possível uso de cigarro de maconha.
Financiamento do baile
Rennan negou que financiasse os bailes. Ele disse que todos os comerciantes que instalam barracas para venda de bebida arrecadam dinheiro para pagar os músicos e o equipamento de som. O DJ disse que é assim que recebe os rendimentos pelo trabalho e negou que já tivesse recebido dinheiro do tráfico de drogas.
Na decisão, o desembargador argumenta que a versão do DJ não impede que o tráfico de drogas também se beneficie dos bailes, com a aglomeração de pessoas.
Para o MC Leonardo, um dos fundadores da Apafunk, associação do gênero musical, as alegações de venda de drogas e presença de armas é uma desculpa do poder público para criminalizar o funk carioca. "Não é só no baile da favela que o morador vai encontrar o fuzil, mas isso acontece o tempo inteiro. Quando ele vai levar o filho na creche ou comprar o pão na padaria. É hipocrisia culpar o funk", critica o MC Leonardo.
Promoção de traficantes e bailes clandestinos
O DJ negou ter acordo com traficantes no sentido de promovê-los durante os bailes. Ele também disse que não realiza bailes clandestinos, sem a anuência da UPP. "Se quiser estender um pouco, os policiais vêm e acabam com o baile. Não há como realizar um evento (clandestino) porque vão acabar com o baile", disse à Justiça.
O empresário do músico disse, em depoimento de defesa que a música produzida pelo artista trata da realidade da comunidade e não é contra a UPP.
Referência a afeto e saudades
Mensagens de afeto e saudades relacionadas a fotos de pessoas que foram mortas também são levadas em conta na condenação como 'uma possível exaltação à morte durante a repressão ao tráfico'.
“Há uma foto de um elemento desconhecido, mas que é apontado por Renan como soldado perigoso”, escreve o relator.
A decisão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça também cita referências a Thiago Lira, apelidado de Pimenta, que também é réu na ação, e a Bruno Procópio, o Piná, citado como ex-chefe do tráfico, preso em 2014. Sobre isto, o desembargador Carlos Antônio Amado cita uma camisa com o número 22 e as expressões “CPX-PH” (Complexo da Penha) acompanhada de uma referência a Bruno Procópio.
O ativista Raull Santiago acredita que o amigo esteja sendo injustiçado. Ele considera que a Justiça têm um olhar criminalizador para moradores de favela. "A principal política pública é sempre a da Secretaria de Segurança que entra no contexto da guerra às drogas. Muitas vezes, quando a polícia assassina pessoas na favela, tenham elas relação com o tráfico ou não, é comum que se façam postagens e camisas em homenagem. É rotineiro e cotidiano. Se um amigo ou parente chorar a morte de uma pessoa que teve envolvimento com a hierarquia do tráfico deve ser presa?", questiona.
Condenação
A Terceira Câmara Criminal do TJ-RJ decidiu aceitar o recurso do Ministério Público do Rio e condenar o DJ, entre outros, em outubro de 2018. Votaram os desembargadores Antonio Carlos Nascimento, Suimei Cavalieri e Monica Tolledo de Oliveira. A defesa entrou com embargos de declaração, que foram negados. Em seguida, foi determinada a prisão dos condenados em segunda instância no último dia 20.
O Tribunal de Justiça informou que as defesas dos acusados no processo não impugnaram a expedição dos mandados de prisão. Por isso, a 3ª Câmara Criminal julgou apenas os embargos determinando a expedição dos mandados.
Na ação penal, 37 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público. Cada uma foi identificada com a descrição das atividades que realizava na associação criminosa. A sentença de primeira instância condenou apenas uma pessoa, e o Ministério Público recorreu. Com base nas provas colhidas, foram condenados 11 dos 37 denunciados.
Sobre a reação da determinação de prisão do DJ, o Tribunal sustenta que não há no acórdão críticas a atividades artísticas de quem quer que seja nem qualquer manifestação cultural realizada na localidade serviu como fundamento para a condenação, sendo indevida qualquer alegação no sentido de preconceito ou de perseguição de tais atividades artísticas devidamente reconhecidas, mas tão somente ao envolvimento de pessoas em associação criminosa.
A defesa de Rennan disse que ele está abalado psicologicamente e que irá se apresentar quando o mandado de prisão for expedido, o que deve acontecer esta semana. Raull conta que o amigo está triste, fora das redes sociais, cancelando shows e entrevistas, mas que está confiante e tranquilo de que será inocentado. “Está sendo muito difícil pra ele, que estava no topo da carreira ter que lidar com essa situação que imaginava ter ficado no passado. Mas é mais uma perseguição a um jovem preto favelado que está crescendo”, diz.
Rosa Weber nega habeas corpus
A ministra do Supremo Tribunal Rosa Weber negou no último dia 21 uma pedido de habeas corpus impetrada pela defesa do DJ. Ela recorreu às últimas decisões da Corte de que prisões após condenação em segunda instância não são inconstitucionais. A ministra destaca que possui entendimento diferente, mas que segue a decisão do colegiado do STF.
"O princípio da colegialidade levou-me à observância dessa orientação, ressalvada minha compreensão pessoal a respeito, vencida que fiquei na oportunidade", diz na decisão de negar o habeas corpus.
A defesa disse que pretende recorrer ao plenário do Supremo.
Absolvição na primeira instância
A 21ª Vara Criminal do Rio absolveu o DJ Rennan da Penha em primeira instância por ausência de provas de que a arma com a qual tirou foto fosse verdadeira e por considerar publicações sobre movimentação policial e músicas que fazem menção ao tráfico manifestações da cultura de quem mora em comunidade onde há tráfico de drogas. “Esses elementos são insuficientes à sustentação de um decreto condenatório”, entendeu.
Manifestação
Um ato cultural está marcado para esta quinta-feita na Lapa. O evento, que será gratuito às 18h, pede liberdade para o DJ. Anteriormente, um protesto seria realizado em frente ao Tribunal de Justiça do Rio. A pedido dos advogados de defesa, a manifestação foi transferida para o Circo Voador.