Os promotores Paulo Roberto Mello (esq.) e Sauvei Lai fazem interpretações diferentes para uma mesma ação. Seria tentativa de homicídio ou lesão corporal? - Reprodução
Os promotores Paulo Roberto Mello (esq.) e Sauvei Lai fazem interpretações diferentes para uma mesma ação. Seria tentativa de homicídio ou lesão corporal?Reprodução
Por Beatriz Perez

Rio - O promotor que ofereceu a denúncia contra o DJ Rennan da Penha e outras 36 pessoas por associação para o tráfico em 2015 avalia que o caso envolvendo o Baile da Gaiola é alvo de setores ideológicos da sociedade e que as provas estão sendo subestimadas ao serem isoladas do seu conjunto. Sauvei Lai nega que a acusação e condenação do DJ sejam contaminados por racismo ou criminalização da cultura funk. Ele diz que acusar uma pessoa sem conhecê-la de ser racista, resvala em crime. As declarações vêm após instituições reagirem à determinação. A OAB do Rio divulgou uma nota de repúdio contra a condenação, que classificou como teratológica (absurda).

Para advogados especialistas em Direito Penal e Criminologia a determinação que condena o DJ Rennan da Penha a seis anos e oito meses de prisão carece de provas para incriminá-lo por associação para o tráfico de drogas.

Quais são as provas para condenar o Rennan da Penha por tráfico de drogas?  

Ele foi condenado com base em um conjunto de provas. Os depoimentos de quatro presos revelaram o funcionamento de uma organização criminosa da qual 37 pessoas se associavam. A denúncia foi feita em 2015 por fatos praticados em 2014, antes do Rennan ficar famoso. Então, não houve criminalização da cultura ou preconceito contra negro e favelado que faz sucesso, como vem sendo dito.

Rennan da Penha foi apontado como olheiro do tráfico do Complexo da Penha em 2015 - Divulgação

O sr. pode enumerar quais são as provas?

Além do depoimento destes quatro presos, há duas fotos - e não apenas uma como vem sendo divulgado - com ele armado (Rennan alega que as armas não são verdadeiras). As provas principais são mensagens, que ele passou no Facebook e em um grupo do WhatsApp, em que participavam inclusive traficantes. Nestas publicações, Rennan avisa a localização da polícia. Vou relatar duas mensagens: "O Caveirão está subindo a rua x” e “A equipe policial está do lado do poste da rua y”. Se a motivação fosse alertar a população, a mensagem viria com algum vocativo. Por exemplo: "Alô comunidade, tira os carros da rua x, porque o caveirão está subindo”. Por que a população tem que saber que o policial está do lado do poste da rua y? Eu explico: para que fossem emboscados e mortos. As mensagens colocam em risco, inclusive inocentes, que poderiam ficar sujeitos a trocas de tiros.

Têm fotos e vídeos com traficantes. No Facebook, ele também compartilhou uma imagem com mandamentos do Comando Vermelho e escreveu: “É pra cumprir essas regras”. Eu entendo que uma pessoa que nasça na comunidade, conheça traficantes. Mas o conjunto das provas aponta para associação para o tráfico.

Essas provas são suficientes para condená-lo por associação para o tráfico?

O crime de associação para o tráfico é muito genérico. Coube à denúncia dizer como os investigados ajudavam ao tráfico. No caso de Rennan foram de duas formas: servindo de olheiro e organizando bailes clandestinos e ilegais.

Mas o baile não era autorizado?

O Baile tem autorização até determinado horário. Vídeos mostram que depois de certo horário as pessoas desfilam com dezenas de fuzil, com colete à prova de bala. Funks reproduzidos exaltam grupos criminosos como o ‘Bonde do Injeta’, grupo do Comando Vermelho apontado por roubos de carro. Mas eu não incluí exaltação ao tráfico na acusação.

Não é criminalização da cultura ou do funk. Quando se extrapola o horário autorizado e há pessoas armadas ostensivamente, conforme vídeo divulgado pelo Fantástico, (o baile) se torna clandestino. Eu não estou acusando ninguém de organizar baile funk. Dentro das regras eles podem funcionar, como qualquer boate.

Imagens divulgadas pelo Fantástico mostram Rennn da Penha cumprimentando homem apontado como traficante do Complexo da Penha - Reprodução/ TV Globo

Não faltam provas de que Rennan teria recebido dinheiro do tráfico?

A parte financeira está sendo tratada em uma segunda investigação em trâmite. Ela investiga a continuidade do tráfico de drogas no Complexo da Penha após 2015. Parece que a associação para o tráfico continua e que as pessoas também parecem continuar envolvidas neste tipo de crime.

Como avalia as críticas à condenação?

A gente tem que tomar muito cuidado. Certos setores da sociedade civil tem uma agenda politico-ideológica. Veja, só os depoimentos de pessoas não são provas suficientes. Só as fotos, também não. Só as publicações nas redes sociais, tampouco são suficientes. No entanto, se juntar tudo, você tem um conjunto forte e robusto de provas.

Estou percebendo que estão dividindo as provas para criticar tudo. Um setor diz que uma prova é insuficiente e todos vão atrás, ignorando as outras provas. Trazer o argumento de que houve preconceito não é jurídico. Se não, fica que nem aquela série do Netflix, “The People Vs O. J. Simpson”, em que a defesa embaralha tudo e o caso não avança.

A defesa impetrou Habeas Corpus e o STF foi contra. Se houvesse essa clara intenção de discriminação, creio que o Supremo teria concedido o HC. Ele foi denunciado por fatos de 2014, antes do sucesso. Todo mundo tem que saber separar o artista da pessoa que foi denunciada. Não dá para ficar colocando a mão no fogo e jurando inocência antes de conhecê-lo, como parte da sociedade está fazendo. Isso não se faz nem com amigo.

Rennan da Penha pode ser preso a qualquer momento - Divulgação

Como o senhor recebe estas críticas de criminalização do funk?

Os fatos que denunciei são de 2014. Mas, os vídeos que foram divulgados pelo Fantástico no último domingo (com homens armados no baile e no qual Rennan aparece beijando a mão de um suposto traficante) são recentes, de uma segunda investigação. Isso mostra que a associação permanece. A foto com os mandamentos do Comando Vermelho sozinha não quer dizer nada, mas juntando tudo, sim.

A pena base para associação para o tráfico é de 3 anos. Rennan pegou de 6 anos e oito meses. O que levou a este endurecimento?

Foi meu colega da vara criminal que apelou pedindo aumento de pena. Os desembargadores levaram em conta outros agravantes para aumentá-la. Olha, a sociedade tem o direito de criticar todos os atos dos poderes e dos acordãos. É possível entrar com recursos se não concordar. Não precisa fazer protesto, fazer manifestação. O que estão fazendo beira quase um crime. Acusar uma pessoa sem conhecê-la de ser racista, resvala em crime. Acusa-se sem conhecer as provas do processo, sem conhecer os motivos para aumentar a pena. Discordou? Recorra à vontade. A defesa do Rennan recorreu no STF. Acho que se houvesse esse complô (preconceituoso contra ele), Brasília teria reconhecido e concedido o Habeas Corpus.

Mas o STF não avaliou o mérito do pedido de HC.

Na decisão do STF de 2016 (que possibilitou prisão após condenação em segunda instância) ficou reconhecido que o STJ e o STF podem conceder liminar para que os recursos sejam julgados com o réu em liberdade. A prisão após condenação em segunda instância passou a ser a regra. Mas tem excessão. O Supremo tem a faculdade de deixar o condenado responder em liberdade.

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