Rio - Para advogados especialistas em Direito Penal e Criminologia a determinação que condena o DJ Rennan da Penha a seis anos e oito meses de prisão carece de provas para incriminá-lo por associação para o tráfico de drogas.
As provas utilizada para condená-lo são baseadas em postagens em redes sociais alertando sobre a incursão da polícia na favela, mensagens afetivas e saudosas a pessoas que morreram, fotos com suspeitos de participarem do tráfico e fotos do DJ com armas, que ele alega ser de brinquedo. Além disso, o promotor de Justiça que ofereceu a denúncia, Sauvei Lai, diz que o depoimento de quatro homens presos serviram de base para revelar o funcionamento de uma organização criminosa no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio.
A denúncia oferecida pelo Ministério Público em 2015 é a de que Rennan servia como olheiro do tráfico e organizava bailes funks clandestinos, na medida em que extrapolavam o horário legal. O reconhecimento de Rennan de que organizava e recebia para tocar no Baile da Gaiola, foi considerada suficiente pelos desembargadores da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio para incriminá-lo.
Para o professor de Direito Penal da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Ibmec Taiguara Líbano Soares, é necessário comprovar que o sujeito tenha intenção de colaborar com o crime, para enquadrá-lo por associação para o tráfico. “Não basta, por exemplo, que o Rennan tenha feito o Baile da Gaiola. É preciso que tenha feito para se associar com o tráfico. A Polícia e o Ministério Público teriam que comprovar com provas mais robustas como transferências bancárias, interceptações telefônicas ou documentos que relacionassem o ganho de Rennan com a organização criminosa”, diz.
Para o pesquisador e mestre em direito penal pela UERJ Vinicius Romão, a condenação teve muitas dificuldades de demonstrar que o DJ Rennan tinha um vínculo estável e temporalmente permanente com o grupo criminoso. “A jurisprudência ( conjunto de decisões) do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) exige comprovação de que a participação não foi eventual". Para ele, as postagens e fotos não conseguem apontar uma estabilidade e permanência de Rennan no grupo criminoso. “Não se tem uma definição clara de periodicidade dessas postagens, nem a sustentação de que eram usadas para a suposta função de olheiro”, comenta.
Perguntado sobre a quantidade e periodicidade de postagens publicadas por Rennan, o promotor de Justiça reconheceu que não se recorda, mas garantiu que não foram só as duas publicações avisando que a polícia subia a favela destacadas na condenação.
Romão considera o crime de associação para o tráfico problemático por não determinar de forma taxativa e clara as condutas que são proibidas. “Torna-se possível abarcar uma ampla quantidade de condutas dentro deste crime de associação com o tráfico”, critica.
Soares ressalta que comentários sobre o tráfico, críticas à polícia e demonstrações afetivas com pessoas que participavam do tráfico não são suficientes para incriminá-lo. Para ele, no caso Rennan há indícios frágeis que não foram corroborados com provas robustas.
“É absolutamente normal em um território de favela conhecer pessoas que tenham atividade criminosa. Não é crime algum ser amigo de criminoso. Pessoas que frequentavam a casa de (Sérgio) Cabral não praticaram, necessariamente, um crime”, compara.
Para o professor de Direito Penal da UFF Taiguara Soares, o caso aponta para uma compreensão discriminatória da cultura do funk, já que, segundo ele, não há evidências para condená-lo por associação com o tráfico. “O Rennan está sendo condenado porque é um DJ que toca em uma favela onde o Comando Vermelho atua. Se fosse DJ de músicas eletrônicas de raves na Zona Sul ou na Barra, dificilmente seria condenado”, comenta.
Na acusação, o promotor sustenta que o baile é clandestino na medida em que extrapola o horário permitido e tem a presença de homens armados.
Em reportagem do último domingo, o Fantástico da TV Globo exibiu imagens do DJ cumprimentando e beijando a mão de um suposto traficante. O professor da UFF rebate que a existência de homens armados e tráfico de drogas na favela não é de responsabilidade do DJ. “ O que o Rennan ia fazer? Olhar de cara feia? Impedir a circulação de traficantes? Cabe ao Poder Público o combate ao tráfico”, diz.
Um dos advogados do DJ, Pedro Lavigne disse que as imagens exibidas pelo Fantástico ‘supostamente de Rennan cumprimentando supostos traficantes’ não são prova. “Ele é um artista sem motivo para estar envolvido com tráfico.Em sua festa de aniversário reuniu 30 mil fãs. Faz dez shows por semana, às vezes quatro por noite. Mês passado estava no Egito, fazendo o show lotado. Não precisa disso”, defende.
O Tribunal de Justiça do Rio publicou nota para sustentar que não há críticas a atividades artísticas "de quem quer que seja" nem de qualquer manifestação cultural na condenação.
Aumento da Pena
Outra crítica que o pesquisador Vinícius Romão, do Instituto Baiano de Direito Processual Penal, faz ao crime de associação para o tráfico, é que, segundo ele, o artigo tem sido usado para aumentar penas relacionadas ao tráfico. “Parte do Judiciário, não só o fluminense, dialoga com as demandas punitivas criadas em torno da declarada guerra às drogas”, diz.
“O crime de associação para o tráfico serve para aumentar e muito o que só poderia ser condenado por tráfico e também é usado para condenar quem sequer teria como ser processado pelo crime de tráfico, que foi justamente o caso de Rennan", acrescenta.
Rennan recebeu três anos e oito meses a mais que a pena mínima de três anos para o crime de associação para o tráfico. Além disso, deve começar a cumprir em regime fechado. Segundo Romão, esta agravamento da pena não se justifica.
“O que se verifica é que o aumento de pena é atribuído ao fato de que a organização criminosa age com arma de fogo. Isso se afasta da conduta que teria sido praticada por Rennan de olheiro”.
Para agravar a pena do DJ também é utilizado o envolvimento de um adolescente que prestou depoimento na organização criminosa. “A conduta praticada por Rennan de se associar ao tráfico pela função de olheiro teria que envolver um adolescente mais diretamente para justificar aumento da pena”, argumenta.
O início do cumprimento em regime fechado também é justificado pelo fato de a organização criminosa Comando Vermelho ser poderosa e atingir muitas pessoas, segundo o advogado.
O mandado de prisão contra Rennan da Penha foi expedido na última sexta-feira e ele pode ser preso a qualquer momento. Um pedido de Habeas Corpus tramita no STF. A defesa do DJ também tem recursos contra a condenação no STJ e no STF.