Rio - A declaração do prefeito Marcelo Crivella, que vinculou ontem de manhã o aquecimento global às fortes chuvas da última segunda-feira, repercutiu entre especialistas no assunto. Um estudo elaborado há 12 anos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) já alertava para o aumento do nível do mar nas próximas décadas, que pode variar entre 30 e 60 cm. O documento foi entregue ao poder público, mas nenhuma medida foi tomada. Outro levantamento feito pelo Coppe/UFRJ em 2015 alertou para o alto índice de emissão de CO2 no estado. Segundo a entidade, um levantamento foi entregue à Prefeitura no ano seguinte apontando possíveis soluções para o problema.
O professor Emilio La Rovere, coordenador do Centro Clima da Coppe/Ufrj, critica o que ele entende ser uma transferência de responsabilidade para um assunto já alertado. “Não está acontecendo nada de novo. Isso se repete há anos. O prefeito não pode dizer que está surpreso pelos efeitos do aquecimento global. Se ele tivesse prestado a atenção aos estudos, a situação não seria essa. Nada foi colocado em prática. E a situação vai piorar”, alerta.
O mapeamento, intitulado ‘Terceiro Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa e Análise da Evolução das Emissões’, mostra que entre 2005 e 2015, foram emitidos 92,71 milhões de toneladas de CO², resultando em um aumento de 40% em relação ao primeiro ano do estudo. Isso significa que cada cidadão do estado emitiu 5,6 toneladas de gás carbônico por ano. “Com o aquecimento as águas do Atlântico esquentam, o que dá mais energia para a formação de tempestades de maior intensidade”, explica La Rovere.
Caso o estudo do IPCC sobre o nível do mar se torne concreto, as praias de Ipanema, Leblon e Copacabana estariam entre as mais afetadas. Neste caso, podem ocorrer mudanças nas direções das ondas do mar devido a alterações na circulação atmosférica, semelhante ao que ocorre em época de El Niño. “Futuramente poderá haver um realinhamento da linha de praia, o que poderia gerar graves problemas em enseadas urbanizadas”, completa o professor.
Para Ana Luiza Coelho Netto, coordenadora do Laboratório de Geo-hidroecologia e Gestão de Riscos (Geoheco) da UFRJ, as alterações na intensidade das chuvas acompanham a velocidade de intervenções humanas que ocorrem na cidade. “Isso vêm sendo observado há anos. Essas intervenções geram impactos negativos, que pioram com a falta de políticas públicas”, analisa a pesquisadora. Segundo a especialista, o prejuízo poderia ser maior caso o desmatamento no Rio fosse ainda maior. “É preciso entender o que acontece nas partes mais altas da cidade, que são as florestas e montanhas, antes de tentar entender a parte baixa. Nosso sistema de drenagem é atrasado e a água não tem para onde escoar”, afirma Ana Luiza.
O compromisso assumido pelo Brasil no Acordo de Paris, ao qual o presidente Jair Bolsonaro ameaçou retirar o país no ano passado, foi reduzir em 43%, até 2030, as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). No caso do estado do Rio, as metas previstas são: 65% de emissões no esgotamento sanitário, 65% no tratamento de resíduos sólidos, 30% no setor de transportes e também 30% no consumo energético do setor público.
Até o fechamento da reportagem a prefeitura ainda não havia enviado nota sobre a utilização ou não do relatório elaborado e entregue pelo Coppe.