Parentes e amigos de Luciano Macedo afirmaram que, em nenhum momento, o Exército Brasileiro prestou ajuda aos familiares. O catador de rua morreu na madrugada desta quinta-feira, após ser atingido por tiros disparados pelo Exército, no último dia 7, em Guadalupe, Zona Norte do Rio.
Luciano foi atingido por três disparos, que acertaram os pulmões, ao ajudar o músico Evaldo Rosa, que passava de carro com a família pela Estrada do Camboatá e teve o carro metralhado por mais de 80 tiros. Ele morreu na hora, e o sogro do músico também foi baleado, mas já teve alta. No veículo estavam ainda o filho de 7 anos de Evaldo, a mulher dele e uma amiga. Eles não se feriram.
O catador estava internado há 11 dias no Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes, onde passou por uma traqueostomia e cirurgia nos pulmões na tarde desta quarta-feira.
A justiça chegou a determinar por duas vezes a transferência dele para outro hospital com mais recursos, mas nenhuma delas foi cumprida.
“A mãe dele está revoltada com isso. O filho dela foi baleado por agentes do estado e o Exército não deu nenhum suporte. Eles foram abandonados”, conta Antônio Carlos Costa, presidente da ONG Rio de Paz, que assiste a família.
Militares estiveram no hospital
O advogado João Tancredo, que presta assistência à família de Luciano, disse que, nesta quarta-feira, soldados do Exército estiveram no Hospital Estadual Carlos Chagas para levá-lo a uma unidade militar para que ele prestasse depoimento.
"Ao saber disso, liguei para o coronel Cláudio Viana Pereira, que deu a ordem de busca, e contestei a atuação dos militares. Na ocasião, o coronel disse que Luciano teria que prestar depoimento, já que ele era uma das partes envolvidas no inquérito", disse o advogado.
Segundo ele, só ontem ele recebeu um telefonema do Exército oferecendo ajuda espiritual à família de Luciano.
Irmã do catador que morreu após ser baleado ao tentar ajudar músico que teve carro fuzilado pelo Exército desabafa sobre a morte dele
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— Jornal O Dia (@jornalodia) April 18, 2019
“Um capelão do Exército me ligou oferecendo ajudas espirituais. Eu agradeci, e disse que, no momento, a família estava precisando era de ajuda psicológica e ajuda material. Ainda na conversa, esse oficial disse que eles também teriam um pastor (para dar ajuda espiritual)", contou João Tancredo.
Ele disse que o militar insistiu na ajuda espiritual. "Novamente eu agradeci, e disse que eles eram evangélicos e que tinham o pastor da igreja que eles frequentavam, e voltei a dizer que o que eles precisavam era de ajuda psicológica e ajuda do Exército, que até agora não veio”, contou João Tancredo.
Parentes de Luciano estão revoltados com o descaso do Exército. “É revoltante. O Exército baleou e sequer veio para dar alguma assistência. Ninguém veio aqui dar apoio para a mãe dele. Estamos vivendo em uma ditadura. Alguns militares vieram aqui ontem para saber lá Deus o quê e sequer falou com a mãe dele", reclamou uma prima, que preferiu não se identificar.
"E agora? Como vai ser a vida da mãe e da esposa dele? Ele não era traficante ou bandido. O que também não dá direito de matar alguém. Ele era trabalhador. Ele só foi fazer o bem e acabou sendo baleado é morto”, lamentou a mulher.
Feliz com o primeiro filho
Luciano havia descoberto que seria pai do primeiro filho poucos dias antes de ser baleado pelos militares. Ele estava muito feliz com a notícia da gravidez da mulher, Daiana Horrara, e decidiu trabalhar mais para criar a criança. Daiana está grávida de 5 meses.
“Cortaram minhas pernas e os meus braços. Tiraram o meu provedor e levaram o amor da minha vida. Aquele que atendia todas as minhas necessidades e o que beijava a minha barriga todos os dias e dizia que queria ver o nosso filho”, lamentou Daiana.
“É inadmissível e inaceitável que se atire primeiro e depois vejam em quem atiraram. Não podemos aceitar que outras famílias passem por isso. Não podemos aceitar a cultura do atira”, Antônio Carlos, disse Antônio Carlos, da ONG Rio de Paz, que assiste a família.
Nascido e criado em Anchieta, na Zona Norte do Rio, o catador de resíduos morava na comunidade do Muquiço, em Guadalupe, havia dois anos.
O corpo de Luciano será encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML). Enterro deve ser ainda nesta quinta-feira, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte do Rio.
Mãe do catador, Aparecida Macedo, auxiliar de serviços gerais, reconheceu o corpo do filho e saiu do Hospital Carlos Chagas, por volta das 9h30, desta quinta-feira, abalada e sem condições de falar com os jornalistas.
Ela foi a uma loja de roupas para comprar uma camisa e uma calça para ser vestida no seu único filho. Cerca de 10 minutos depois, Daiana, mulher de Luciano, chegou à unidade médica. Muito abalada e chorando muito, a mulher precisou ser amparada por amigos.
O enterro de Luciano Macedo deverá acontecer no final do dia no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na Zona Norte do Rio.
Antônio Carlos disse que foi feita uma vaquinha virtual para que a família do catador de resíduos seja ajudada. Até agora, já foram arrecadados cerca de R$ 12 mil. Além disso, uma pessoa doou todo o enxoval para o filho de Luciano, e uma outra, cestas básicas para a esposa dele.
“O Exército errou três vezes. Quando atirou, quando mesmo o Luciano agonizando não o salvou e, depois, após não vir aqui prestar apoio à família”, afirmou Costa.
O que diz o Comando Militar do Leste
A assessoria de imprensa do Comando Militar do Leste (CML) informou que "foram iniciados contatos com a família do Sr. Evaldo por meio do advogado da família, Sr. João Tancredo". No entanto, a nota não diz quando esse contato aconteceu.
Sobre a ida de militares ao hospital onde Luciano estava, o CML informou que não procede a informação de que foram tomar depoimento da vítima. De acordo com o documento, os militares foram à unidade por orientação do Ministério Público Militar, para pegar cópia do Boletim de Atendimento Médico de Luciano, documento necessário para as investigações.
O comando informou ainda que os militares envolvidos na morte de Evaldo e Luciano permanecem presos, à disposição da Justiça Militar e que não comenta investigações em andamento.
Colaborou Maria Inez Magalhães