No inquérito policial consta que foram encontrados quatro fragmentos de impressões digitais na cena do crime, em uma lata de cerveja e na porta da casa de Luiz Fernando Armando de Abreu, assassinado a facadas na madrugada de 10 de março de 2017.
O responsável pela análise do material informou que apenas três tinham ‘condição de confronto’ e eram compatíveis com as digitais da vítima assassinada. Em nenhum momento é citado que alguma delas pertença a Leandro, nem mesmo no pedido de prisão temporária da Delegacia de Homicídios (DH-Capital) enviado à Justiça, no qual o MP se baseia para emitir o seu parecer.
“Conforme apurado, a vítima estava em um relacionamento com o indiciado, cujas digitais foram encontradas no interior da residência da vítima”, diz o documento do MP, assinado pelo promotor Alexandre Murilo Graça, em 17 de março de 2017, defendendo a investigação policial que apontava três digitais como sendo de Luiz Fernando.
“No local do crime não tem nenhuma impressão digital do Leandro, o MP equivocadamente no parecer disse que a autoridade policial localizou a digital dele. Todas as que foram colhidas lá eram da vítima. É essa e outras questões que levam a questionar se é razoável que ele continue preso”, diz Fábio Wanderley, advogado de defesa do preso apontado como suspeito.
Na denúncia enviada à Justiça, em 8 de agosto, o MP comete outro deslize: cita uma suposta tentativa de homicídio contra uma testemunha, informação que não existe na investigação. No documento, o órgão fala que não denunciaria Leandro por este crime, “por hora”.
Reconhecimento pelo Facebook
O DIA teve acesso ao inquérito da Polícia Civil que concluiu que Leandro é o assassino. No mesmo documento, a Delegacia de Homicídios pede a prisão e diz que é necessário a “realização de reconhecimento pessoal”, mas isso não foi feito. A principal testemunha o reconheceu por uma foto de seu perfil no Facebook.
A advogado Fábio Wanderley, que defende Leandro, pediu a revogação de sua prisão, mas teve a solicitação negada. A defesa agora aguarda um pedido de habeas corpus, que deve ser julgado somente dia 27, quando o aderecista vai completar um mês preso.
Na madrugada do crime, a testemunha, uma vizinha de Luiz Fernando, ouviu gritos do apartamento dele e foi ver o que estava acontecendo. No depoimento, ela afirma que um homem moreno, alto, com uma tatuagem em um dos antebraços, que ela não soube dizer qual, abriu a porta e falou que o barulho era apenas uma "briga de casal". Leandro, preso pelo crime, é negro, não tem tatuagem e possui estatura mediana. Minutos depois, o mesmo suspeito que estava na casa foi visto pela depoente fugindo. Luiz Fernando foi encontrado morto com várias facadas.
Ainda no dia do crime, ela disse que não sabia quem era o assassino mas, cinco dias depois, na delegacia, apresentou a foto de Leandro e o apontou como o assassino. Ela contou que postou no Facebook lamentando a morte e pediu informações que ajudassem a prender o autor do crime e divulgou seu telefone. Depois disso, ela disse que recebeu a ligação de um "Leandro", que pedia informações sobre a morte e parecia "debochar”.
Após "investigar" na lista de amigos no Facebook de Luiz Fernando, a mulher chegou até o aderecista, concluindo que ele era o mesmo homem que abriu a porta da vítima na madrugada do crime. A foto de Leandro foi enviada para outras testemunhas do caso, que relataram isso à polícia, forçando o novo depoimento em que a mulher apontou como o assassino e também namorado do morto.
Entretanto, uma outra vizinha que trabalhava no local onde Luiz Fernando almoçava quase que diariamente, falou em depoimento que conversou com ele um dia antes do crime. A vítima disse a ela que estava namorando, mostrou foto do suposto companheiro e disse que ele passaria o fim de semana em sua casa. Na delegacia, ela afirmou que Leandro não era o homem da imagem.
Esta mesma testemunha afirma que Luiz Fernando comentou que tinha "brigado horrores" com o namorado, contando que ele "era louco". No dia seguinte, ela ficou sabendo do assassinato do amigo.
O DIA questiona desde segunda-feira o Ministério Público do Rio (MPRJ) sobre a investigação que deu base à denúncia enviada à justiça e o erros encontrados nos documentos do órgão, mas teve as perguntas respondidas somente nesta quinta-feira, quando da publicação da matéria. Em nota, o MP afirma que "o promotor de Justiça Alexandre Murilo Graça afirma que, ao contrário do que pontua o texto, não consta da denúncia, do pedido de prisão preventiva, e tampouco de sua efetiva decretação pela Justiça, a informação de que a mesma tinha como fundamento suposta digital do denunciado, que teria sido encontrada no local do crime". Confira a íntegra:
"Esclarece o promotor que o pedido de prisão teve como base relatório de autoridade policial, que apresentou depoimento dado por testemunha do crime - o homicídio qualificado de Luiz Fernando Armando de Abreu, ocorrido na madrugada de 10 de março de 2017, na residência do mesmo, no bairro do Anil, zona Oeste do Rio. A testemunha, vizinha da vítima, teria reconhecido o denunciado, quando este se evadiu do endereço da execução. Dessa forma, a justificativa apresentada na reportagem de O DIA não coaduna com a verdade dos fatos.
“Relata que, por volta das 4h, escutou a vítima pedindo socorro. Em razão disso, foi à porta desta para ver se estava tudo bem, ocasião em que foi atendida pelo indiciado que disse estar apenas conversando no local com o proprietário da residência. Por volta das 5h, a testemunha encontrou o indiciado – namorado da vítima –, saindo em disparada do imóvel após bater a porta, o que lhe fez ir ao local e, tão logo se deparou com manchas de sangue, acionar de imediato a Polícia Militar. Em sede policial, a testemunha reconheceu o investigado”, descreve parte da decisão judicial, que determinou a prisão, por 30 dias, de Leandro dos Santos Oliveira, sem qualquer menção a possíveis ‘digitais’.
O Juízo já analisou vários pedidos de liberdade do denunciado, mantido preso por ter sido classificado como de periculosidade alta." A reportagem de O DIA, no entanto, foi baseada no parecer do MP, e não na denúncia.
Já a Polícia Civil se limitou a dizer que caso “foi remetido à Justiça”. A reportagem não conseguiu contato com um dos delegados responsáveis pelo inquérito.