Iracema Sousa era a imagem da desolação, ontem, na porta do HFB. Não havia médico nem ambulância para levá-la a outra unidade - Reginaldo Pimenta
Iracema Sousa era a imagem da desolação, ontem, na porta do HFB. Não havia médico nem ambulância para levá-la a outra unidadeReginaldo Pimenta
Por Bernardo Costa e Luiz Portilho

Rio - Sem médicos, a emergência do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) só tem atendido quem chega com risco de morte. É o que mostra relatório produzido por funcionários da unidade, entregue à Direção Geral do HFB, este mês. O DIA teve acesso ao documento, que aponta um déficit total de 77 médicos na emergência, quando deveria ter 124. Ou seja, o a unidade funciona com 38% do efetivo. As especialidades com maior carência são as de médicos clínicos, onde faltam 27 profissionais, e pediatras, menos 25. O relatório ainda contabiliza déficit nas áreas de cirurgia geral, faltam 14; e plantão geral, menos 11.

O documento é de 11 de junho e, segundo funcionários ouvidos pela reportagem, permanece atual. Diante do quadro, a emergência do HFB tem funcionado com uma média de dois médicos por dia para atender a uma demanda de cerca 50 atendimentos diários e uma média de 70 internações na emergência. De acordo com quem atua no local, é comum não aparecer ninguém para trabalhar. 

Ana Cláudia (D) reclamou da falta de atendimento para a neta de 1 ano e 9 meses: não havia pediatra - Reginaldo Pimenta

"Como a maioria dos médicos cumprem contrato temporário, não há vínculo com o hospital. O alto nível de estresse causado pela sobrecarga de trabalho aliado ao baixo salário provoca a desistência por parte desses profissionais", contou um funcionário que não quer se identificar.

Foi o que aconteceu no último fim de semana, em que a emergência ficou fechada após o pedido de demissão de dois médicos que davam plantão aos sábados e domingos. "Outros dois pediram demissão na mesma semana, mas a gestão da emergência conseguiu reverter e eles continuarão atuando. Mas não sabemos até quando. A situação é extremamente precária", disse um funcionário. 

No mesmo fim de semana, houve a morte do aposentado Antonio Pádua Duarte, de 64 anos, que estava internado na emergência do HFB desde o dia 5 de junho, com um tumor na barriga. Segundo familiares, o estado de saúde de Antonio se agravou e não havia médico para atendê-lo. 

"Só ontem apareceu uma médica, que transferiu meu irmão para a sala vermelha. Mas já era tarde demais. É um descaso total com a vida das pessoas", disse a dona de casa Alzira Duarte, de 53 anos, irmã da vítima.  

Na tarde de ontem, a direção do hospital decidiu fechar o CTI da emergência amarela devido à falta de médicos. No setor, havia dez pacientes internados que foram transferidos para outros setores de tratamento intensivo do hospital. 

Pela manhã, quem procurou a emergência tinha atendimento negado. Foi o que aconteceu com a cozinheira Ana Cláudia Cosme, de 53 anos, que procurava pediatra para a neta, de 1 ano e 9 meses. As duas eram acompanhadas pela mãe da criança, que estava numa cadeira de rodas devido a uma lesão no pé esquerdo. Não havia especialista e elas foi barrada na porta. 

"Minha neta está com uma irritação séria na pele e precisamos saber se ela tem alguma bactéria. Ela tem prontuário aqui (HFB), mas não há pediatra. Este governo precisa ter consciência do que estamos passando. A saúde pública está uma vergonha", desabafou.

Antonio Duarte com a família: idoso morreu depois de esperar um mês por leito na emergência - Reginaldo Pimenta

Funcionários do HFB ouvidos pelo DIA relatam que há apenas três pediatras em atuação na emergência, que se revezam em plantões diários. Segundo afirmaram, é comum não haver nenhum especialista, o que se repete na maioria dos dias da semana. 

"Só há atendimento para as crianças que chegam morrendo. Ainda assim, é preciso chamar médicos que atuam no setor de pediatria do hospital, que vem correndo do prédio 2 para a emergência. Isso é muito grave, pois sabemos que há casos em que minutos podem salvar vidas", contou um médico do hospital. 

O relatório produzido por funcionários do HFB teve por base um estudo do Hospital Sírio Libanês, de São Paulo, feito três meses antes da inauguração da nova emergência do HFB, em março de 2018.

Ministério da Saúde admite precariedade

O Ministério da Saúde informa que o Hospital Federal de Bonsucesso está tomando as providências cabíveis para recompor a equipe médica da Emergência, que atualmente realiza atendimentos com um quadro de 17 clínicos, 4 pediatras, 16 cirurgiões e 16 ortopedistas. De acordo com a direção do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), nenhum paciente internado na Emergência está sem assistência médica. O MS informa que permanece aberta para renovação de Contratos Temporários da União (CTU). E avalia tecnicamente novos modelos de contratação.

Menos 4.200 médicos na rede federal

A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma representação na 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro, no dia 4 de junho, contra o descumprimento, pelo governo federal, da liminar que obriga o Ministério da Saúde a contratar 4.200 médicos e 1884 profissionais de enfermagem para seis hospitais do Rio - entre elas o Hospital de Bonsucesso - e três institutos.

A DPU, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) e o Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren) entraram com denúncia contra o Ministério da Saúde e a União Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em 2017, cobrando a renovação dos contratos temporários. A Justiça concedeu liminar. Mas ela não foi cumprida.  

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