Do Rio das Pedras à Barra da Tijuca, vans ilegais também aceitam RioCard
Veículos foram flagrados circulando livremente na região da Barra, Itanhangá e Jacarepaguá, mas Prefeitura alega que fiscalização é constante
"BarraShopping, Via Parque, aceita RioCard e Bilhete Único!", anuncia, no grito, um cobrador adolescente, pendurado em uma van na Estrada do Itanhangá, na Favela da Tijuquinha, Zona Oeste do Rio. O veículo descaracterizado é um dos muitos ilegais que circulam por ali sem nenhuma fiscalização. Mesmo sem autorização da Prefeitura, fazem o trajeto do Rio das Pedras, reduto de milicianos, para a Barra da Tijuca ou até para a Gávea sem serem incomodados por fiscais da Secretaria Municipal da Ordem Pública (Seop).
Em apenas 40 minutos no mesmo ponto, a reportagem flagrou 16 motoristas de vans clandestinas. Há, ainda, aquelas licitadas que fazem parte do sistema de transporte público legal. Mas que desviam do seu trajeto. Autorizadas a circular entre Pechincha e Gardênia Azul, em Jacarepaguá, as vans com identidade visual azul passam bem longe dali. Circulam do Rio das Pedras para a Barra, onde há maior circulação de passageiros. Os motoristas de vans abordam passageiros fora dos pontos estipulados e até ultrapassam os ônibus no mesmo trajeto, na disputa por passageiros.
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"A população não sabe qual van é ilegal e qual não é. Mesmo as descaracterizadas aceitam RioCard", observa um taxista, que optou pelo anonimato. Uma equipe do DIA embarcou em um dos veículos que, mesmo ilegal, aceitava o pagamento das passagens em cartão RioCard.
Procurada para explicar a falta de fiscalização no combate ao transporte clandestino, a Prefeitura alega que a Coordenadoria Especial de Transporte Complementar (CETC), ligada à Seop, tem atuado frequentemente. "Só no período de janeiro a julho deste ano, foram removidas 440 vans e kombis piratas", diz trecho de nota. Mas, nas ruas, a reportagem constatou o oposto.
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Em julho, após manifestação dos motoristas, o prefeito Marcelo Crivella anistiou vans licitadas no governo de Eduardo Paes e prometeu revisar a situação em 90 dias. Enquanto isso não acontece, esses veículos estão autorizados a circular pelos bairros, livres de multas, desde que dentro da Área de planejamento licitada. As placas de vans clandestinas flagradas pela reportagem foram encaminhadas à Secretaria Municipal de Transportes, a pedido da Coordenadoria Especial de Transporte Complementar.
Delegado: "Transporte clandestino é importante fonte de renda para a milícia"
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De acordo com especialistas, a exploração do transporte complementar e clandestino é uma importante fonte de renda para os grupos paramilitares que atuam na região do Itanhangá e de Jacarepaguá.
"O transporte clandestino dali sempre impulsionou o crescimento da milícia, porque é esse grupo criminoso que explora o transporte alternativo dali", destacou o delegado Claudio Ferraz, ex-titular Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (DRACO-IE) e ex-coordenador da Coordenadoria Especial de Transporte Complementar. O órgão foi criado pela Prefeitura para fiscalizar o transporte complementar depois de licitar, em 2016, as linhas de vans.
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Delegado titular da DRACO, Gabriel Ferrando admite a atuação criminosa no transporte ilegal.
"Faz parte das nossas investigações. Mas não posso dar detalhes. Corre sob sigilo", limitou-se.
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De acordo com Claudio Ferraz, desde que o sistema de transporte complementar foi licitado, as vans foram proibidas na região da favela do Rio das Pedras. Mas, com o passar dos anos, a falta de fiscalização fez o número de vans clandestinas aumentar.
Para o promotor Luiz Antônio Ayres, que atua no combate à milícia de Campo Grande e Santa Cruz, a atuação da Prefeitura é fundamental no combate ao crime.
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"O transporte alternativo foi a primeira grande atividade explorada pelos milicianos. E só é importante fonte de renda da milícia porque o poder público não atua como deveria. A Prefeitura precisa fiscalizar. Este é seu papel", critica.
Para o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV/Uerj), a regulamentação do transporte alternativo por meio das licitações é importante. Mas é necessária uma maior atuação do governo.
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"O poder público não consegue recuperar o controle do transporte alternativo no Rio de Janeiro. Essa história de motorista de van ter que pagar aos milicianos para circular tem que acabar", diz.
Procurada, a Riocard informou que faz apenas o credenciamento de motoristas que obtêm permissões concedidas legalmente pelo poder público, com a validação das autorizações somente após a publicação em Diário Oficial, em edições do Município ou do Estado.
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