Encontro do avô de Dyogo Xavier e do pai de Gabriel Alves, jovens mortos por balas perdidas durante operações da polícia: pedido de paz - Foto: Cléber Mendes/Agência O Dia - Cléber Mendes / Agência O Dia
Encontro do avô de Dyogo Xavier e do pai de Gabriel Alves, jovens mortos por balas perdidas durante operações da polícia: pedido de paz - Foto: Cléber Mendes/Agência O DiaCléber Mendes / Agência O Dia
Por Bernardo Costa
Rio - Fabrício e Cristóvão jamais tinham se visto. Um mora no Borel, na Tijuca. O outro, a 30 quilômetros dali, na Grota, em Niterói. Os dois trabalham muito, mas muito mesmo, para poder sustentar suas famílias. Atolados em suas rotinas diárias de luta, sequer sabiam da existência um do outro. Sonhavam ter uma vida melhor com o sucesso do filho e do neto no futebol. A bala, e não a bola, uniu os destinos dos dois. Vítimas de uma política de violentos enfrentamentos nas comunidades do Rio, se encontraram pela primeira vez ontem, reunidos pelo DIA. Fabrício perdeu o filho, Gabriel. Cristóvão, o neto, Dyogo. Ainda choram de dor. Mas, em um abraço apertado, encontraram conforto um no outro. Sem espaço para ódio ou rancor. Exaltam o amor. E lamentam a falta dele nos dias de hoje.
“Você é do meu time, cara! Vejo que é igual a mim. A gente não tem ódio no coração. A gente só quer que a história deles ajude a mudar a forma como essas operações policiais são feitas nas nossas comunidades”, pede Cristóvão Brito, avô de Dyogo, o menino de 16 anos que jogava nas categorias de base do América.
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“Aqui dentro tem um coração bom”, desabafa Fabrício Alves, pai de Gabriel, 18 anos, que fazia carreira no futsal do Olaria. Com a mão sobre o peito de Cristóvão, segue seu lúcido desabafo. “A gente só quer ser feliz, como milhares de jovens inocentes que hoje estão nas comunidades. Chega de lágrimas. Que passem a olhar para a gente com mais amor”.
Confira o vídeo do encontro:
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No pescoço de Fabrício, a medalha de campeão carioca de futsal na categoria sub-20, conquistada pelo filho, em junho, dois meses antes de ser morto. Gabriel foi atingido por uma bala perdida, na Tijuca, enquanto aguardava o ônibus para ir à escola. Dyogo foi baleado com a chuteira nos braços, na Grota, quando ia para o treino de futebol.
Com a blusa do Olaria pendurada no ombro, ele se emociona: “Meu filho passou oito anos perseguindo esse título. Na homenagem que fizeram na escola, o professor comentou que pedia a ele para mostrar a medalha, mas o Gabriel dizia que não iria tirar ela de casa para não correr o risco de perdê -la. Vou guardar esta medalha para sempre”, promete Fabrício.
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“A gente pensa que o fardo que Deus deu pra gente é muito pesado. Mas, olhando para você (Fabrício), e vendo sua dor, a gente percebe que tem que seguir em frente e ficar com os bons exemplos que esses jovens nos deixaram”, conforma-se Cristóvão.
Mais um abraço apertado e uma despedida de dois novos amigos. Fabrício parte para aquela sua dura rotina de estoquista. Cristóvão acena, vira-se de costas e se prepara para assumir o volante do ônibus que dirige. A vida segue.

Garotos são homenageados
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O encontro entre as duas famílias aconteceu na saída de uma reunião dos parentes de Dyogo Xavier com o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves. Segundo a prefeitura, a quadra de futebol da Grota passará por reformas e terá o nome do jovem.
“Fico feliz de saber que meu filho não será esquecido. Ele não pôde realizar o sonho de ser jogador de futebol. Mas este sonho vai ficar vivo no coração de outras crianças naquela quadra”, disse a mãe de Dyogo 
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Josyane Costa, de 32 anos, que também esteve presente no encontro de ontem.
De acordo com o avô Cristóvão Brito, a quadra fica em frente ao local em que o neto foi morto. “É o começo das coisas boas que o Dyogo ainda pode trazer para a comunidade. A quadra é a primeira delas, e acho que ele ainda pode trazer muito mais”, comentou Cristóvão.
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Ontem à noite, no Olaria, a diretoria do clube fez uma homenagem para Gabriel Pereira Alves. Todos os atletas vestiram camisas que traziam a imagem de Gabriel com o troféu de campeão do Carioca
de Futsal Sub-20. Atrás, o nome dele estampado acima do número 7, com qual gostava de jogar.
“É gratificante. Se cada um passar a responder o mal com amor, acredito que isso tudo algum dia vai acabar”, comentou Fabrício, pai de Gabriel, após a homenagem.
Vice-presidente do Olaria, Roberto Elustondo anunciou que Caio Alves, de 15 anos, irmão de Gabriel, vai passar a treinar com o time de campo do Olaria. “O Gabriel estava fazendo a transição para o gramado. Agora, o irmão será incorporado ao grupo”.