Gerson, André, Jonathan, Rafael e Otávio: entrevista descontraída num local familiar aos escritores, uma biblioteca no subúrbio do Rio - Luciano Belford
Gerson, André, Jonathan, Rafael e Otávio: entrevista descontraída num local familiar aos escritores, uma biblioteca no subúrbio do RioLuciano Belford
Por *Luana Dandara

Da periferia para o universo da literatura. Os escritores Jonathan Aguiar, André Gabeh, Otávio Cesar Júnior, Gerson Moreira e Rafael Procópio têm origens, formações, idades e histórias distintas. Mas possuem um ponto em comum: transformaram suas trajetórias de vida pela educação. E, a partir da próxima sexta-feira, participam, cada um com sua obra, do maior feira literária do Brasil, a 19ª Bienal Internacional do Livro, no Riocentro.

"Nossas lutas são parecidas ao tentar levar a literatura para a favela", resume Otávio. Morador do Complexo da Penha, o autor, de 36 anos, já viajou 22 países pela publicação de 'O livreiro do Alemão'. "Minha história é um conto de encantamento ambientado na favela, onde encontrei, aos 8 anos, um livro em um lixão. Isso me impactou de forma arrebatadora", conta.

Da primeira leitura de 'Don Gatón', Otávio nunca mais deixou o universo dos livros. Atualmente, escreve para crianças e lança na Bienal as obras 'Da minha janela', uma brincadeira com cenários das comunidades cariocas, e 'Grand Circo Favela', onde a protagonista convida um palhaço para montar um circo na periferia. "O livro é a grande estrela, eu sou só um agente que quer mudar realidades por essa ferramenta", pondera.

Com apenas 27 anos, o que não falta ao professor Jonathan Aguiar são títulos. Doutorando em Educação, apresenta sua quinta obra, 'Educação, lúdico e favela: quantos tiros são necessários para aprendizagem?'. "É o tiro da empatia, do amor, de olhar de maneira diferente para as crianças e para o processo de aprendizagem. Quantos Jonathans precisam chegar ao doutorado para serem ouvidos?", questiona.

Morador de Vila Ruth, em São João de Meriti, Gerson Moreira, 41 anos, por sua vez, é estreante na Bienal. Com o livro 'Perseguidos', o arquiteto e rapper conta a história de cinco jovens envolvidos em uma grande confusão após um baile funk. Cheia de gírias e linguagem popular, a ficção promete ganhar continuação. "Era meu sonho escrever algo para influenciar o meu povo, a minha comunidade. Me incomoda a falta da linguagem e da cultura periférica nos livros, uma obra para o jovem se identificar e despertar o desejo da leitura", afirma.

Subúrbio raiz

Colunista do DIA, André Gabeh, 44, também segue a simplicidade na escrita. Bem-humorado, o ex-BBB, criado entre Pilares e Engenheiro Leal, apresenta 'Suburburinho 2', a continuação do livro que retrata uma família suburbana. "É a história da minha vida, retratada em ficção. Meus familiares são surreais, estrelas, mesmo. É um livro para rir", confessa.

Ao ensinar Matemática de forma fácil e democrática, o youtuber Rafael Procópio, 36 anos, acumula cerca de 4 milhões de seguidores no YouTube e outras redes sociais. Reconhecido até pelo Papa Francisco e por Pedro Bial, que escreve o prefácio do primeiro livro do professor, 'Sou péssimo em Matemática', Rafael se define como 'suburbano raiz'. "Poderia morar em qualquer lugar do mundo. Mas voltei pra Realengo, ao lado da Favela do Fumacê, onde nasci, por conta do contato, da identidade própria do lugar, que é inigualável", pontua.

Jonathan Aguiar

Morador da Favela da Lagartixa, no Complexo da Pedreira, em Costa Barros, o escritor e professor discute, em seu livro, a importância da atividade lúdica para a construção de um ambiente de aprendizagem, em que crianças ditas como agressivas podem ressignificar suas ações e abrir espaço para aprender por meio de oficinas de jogos e brincadeiras.

Jonathan Aguiar lança, na Bienal, seu quinto livro 'Educação, lúdico e favela: quantos tiros são necessários para aprendizagem?' - Luciano Belford/Agência O Dia

"A ideia é dialogar com a minha história de vida e a experiência como docente. A favela e a universidade precisam dialogar entre si", acredita.

André Gabeh

Nascido e criado no subúrbio carioca, é cantor, compositor, desenhista, escritor e boêmio. Às quartas e domingo, escreve coluna no DIA. "Comecei escrevendo, em uma página no Facebook, histórias da minha família e de vizinhos. As pessoas ficavam estarrecidas de tão surreais e engraçadas. O meu livro é como uma novela, eu sou um contador de histórias. O subúrbio é o meu lugar, onde me reconheço".

Colunista do DIA, André Gabeh chega no festival literário com a continuação do livro 'Suburburinho' - Luciano Belford/Agência O Dia

Em 'Suburburinho 2', o autor aprofunda os personagens e conta novas experiências. "O livro traz a capacidade de abrir portas, engordar o pensamento. Tenho muito a agradecer ao meu avô, que sempre me incentivou a estudar e ler", confessa.

Gerson Moreira

Começou a trabalhar aos 12 anos e já foi flanelinha e vendedor de rosas e flâmulas nos bares do Rio e de São Paulo. Hoje, formado em Arquitetura, realiza seu grande sonho de lançar uma obra ficcional com a linguagem e a cultura da favela.

O autor Gerson Moreira investe na linguagem popular na sua obra 'Perseguidos' - Luciano Belford/Agência O Dia

"Tem gente que quer escrever sobre Londres. Eu não conheço Londres, conheço São João de Meriti, Pavuna, Belford Roxo, essa é a minha área. A leitura foi um baluarte para mim, conseguiu me desvincular da cultura do tráfico. Com o livro, passei a ver o mundo, raciocinar de forma diferente", revela.

Rafael Procópio

Dono do canal 'Matemática Rio', saiu da Favela do Fumacê e chegou até o Vaticano, onde debateu sobre educação. "Não tive exemplos de pessoas bem-sucedidas ao meu redor. Perguntei ao Papa Francisco o que as pessoas da favela podem fazer para mudarem suas realidades. A resposta foi motivação. E realmente foi isso que tive da minha família", conta.

O youtuber Rafael Procópio promete ensinar matemática de forma fácil no seu primeiro livro 'Sou péssimo em matemática' - Luciano Belford/Agência O Dia

Em sua estreia editorial, Procópio ensina dicas de Matemática, com enfoque na aritmética, como tabuada e multiplicação. "O livro sempre foi meu sonho. Passei nove meses trabalhando nele e chorei quando ficou pronto".

Otávio Cesar Júnior

Ganhou fama em 2006 ao participar do quadro 'Agora ou nunca', do Caldeirão do Huck, na TV Globo. Com o prêmio de R$ 10 mil no programa, passou a ser promotor de leitura. Levava obras em uma mala para os complexos do Alemão e da Penha, onde conseguiu abrir uma biblioteca.

Famoso pela obra 'O livreiro do Alemão', Otávio lança duas novas obras infantis na Bienal do Livro do Rio - Luciano Belford/Agência O Dia

"Aprendi muito nesse processo de ouvir os leitores, sobretudo as crianças. As pessoas de periferia não se veem nos conteúdos literários. Está na hora de tirar a literatura do pedestal, democratizar o acesso", prega. Ao lançar suas duas novas obras, ele se consolida como autor infantil que dialoga com as comunidades.

 

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