Daniella Castro - Divulgação
Daniella CastroDivulgação
Por Waleska Borges
Rio - Ao passar por uma rua de São Paulo, a auxiliar-administrativo e transexual Daniella Castro, de 34 anos, foi xingada por um desconhecido e reagiu tentando responder à agressão. De imediato, recebeu um soco do homem, que a fez perder três dentes. Daniella só acordou da agressão no pronto-socorro do hospital. Já a educadora social Thais de Azevedo, de 70 anos, também transexual, perdeu praticamente toda a dentição por conta de diversas agressões ao longo da vida, principalmente entre os anos 60 e 90.
Há cerca de dois anos, porém, Daniella e Thais tiveram os dentes implantados pelo projeto Apolônias do Bem, que oferece implantes gratuitos para mulheres que perderam seus sorrisos para a violência. A iniciativa é da ONG Turma do Bem, que foi fundada pelo cirurgião-dentista Fábio Bibancos, de 55 anos.
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De acordo com dados do Dossiê Mulher, divulgado este ano, referente a 2018, foram 121.077 casos de violência contra mulher no Estado do Rio. A maioria dos crimes ocorreu na capital, com 45.494 registros; seguido do interior, com 36.223. O tipo de violência mais comum é a física (35%). Já de acordo com os atendimentos feitos pelo Apolônias, a maior parte das mulheres cisgênero sofreu agressão do marido, filho ou pai. Já entre as transsexuais, os integrantes das polícias foram os principais agressores. As mulheres são selecionadas para o projeto por meio de abrigos públicos ou ainda por juízes que atendem aos seus casos.
Informação como defesa
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Mentor da iniciativa que criou o Apolônias do Bem, Fábio Bibancos possui consultórios no Rio, em São Paulo e Brasília. Para ele, a melhor forma de prevenir situações de violência contra mulheres e trans é com informação. Amanhã, a partir de 20h, o cirurgião-dentista dará uma palestra no Rio, no Teatro XP Investimentos, no Jockey Club do Leblon, com o tema 'Loucura é não fazer nada', com entrada franca.
Fundado em 2012, o Apolônias já atendeu 1.100 mulheres cisgênero e transgênero em todo o Brasil. Os tratamentos são oferecidos por meio de uma rede de dentistas voluntários. De acordo com o dentista, o objetivo do programa é fazer com que as mulheres voltem a sorrir, apesar da violência que sofreram. "Muitas dessas mulheres viviam sem comer, beijar, falar, sorrir e arrumar emprego. Elas têm a autoestima reconstruída após o implante dos dentes", explicou.
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Com as arcadas dentárias reconstruídas, essas mulheres também passaram a encarar a vida com mais esperança. Está sendo assim para Daniella Castro. Com a ajuda da mãe, ela contou que chegou a fazer uma prótese - que caía sempre quando comia. "Eu falava pouco, sorria com a mão na boca. Era horrível. Hoje dou gargalhada com a cabeça para trás e a boca bem aberta, igual a mulher rica", brincou Daniella, afirmando que jamais poderia pagar por um tratamento como o que recebeu.
Já Thais de Azevedo ressaltou que o Apolônias do Bem tira da obscuridade uma população que, além da agressão física, passa por muitas segregações. "Esse projeto me deu voz. Ele tem um olhar social muito importante para quem sofreu uma série de rejeições, até mesmo da própria família", avaliou.
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A inspiração para o nome do projeto veio da personagem Apolônia, que viveu em Alexandria e morreu em 249 d.C., após ser presa, espancada e ter seus dentes quebrados e arrancados. Ela se tornou padroeira dos dentistas.

Voluntários fizeram 78 mil atendimentos

Fábio Bibancos criou a Turma do Bem, em 2002. Atualmente, o programa conta com 17 mil dentistas voluntários, que atendem crianças e adolescentes de baixa renda, de 11 a 17 anos, no Brasil, na América Latina e em Portugal. Já foram feitos cerca de 78 mil atendimentos. Dos voluntários, 12 mil deles estão no Brasil, 1.200 só no Estado do Rio e 500 no município.
Bibancos contou que tudo começou ao escrever um livro sobre saúde bucal e deu palestras sobre prevenção e higiene em escolas públicas: "O sentimento foi de aflição ao ver o estado da boca das crianças. Eu precisava fazer alguma coisa".
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Um dos momentos marcantes, segundo o cirurgião-dentista, foi quando a ONG completou 15 anos. À procura dos jovens atendidos, foi descoberto que, em muitos casos, os meninos se tornaram dentistas, advogados. Já entre as meninas, muitas tinham virado faxineiras. Bibancos explica que essa diferença se deu porque, uma vez se sentindo mais bonitas, se abriam mais a relações e acabavam engravidando, praticamente, assim, determinando seu futuro. "Nossos jovens precisam de educação sexual. É uma estupidez esse moralismo que não vê que o jovem precisa de muita informação para ter proteção".