Os pais de Ágatha falaram pela primeira vez três dias depois da morte da menina
 - Reprodução / TV Globo
Os pais de Ágatha falaram pela primeira vez três dias depois da morte da menina Reprodução / TV Globo
Por MARIA INEZ MAGALHÃES
Rio - ‘O fragmento do projétil é muito pequeno e matou a Ágatha por ela ser uma criança. Em um adulto, talvez não matasse”. O delegado titular da Divisão de Homicídios da Capital (DHC), Daniel Rosa, revelou mais uma história dramática no enredo trágico da morte da menina, no Complexo do Alemão. Segundo ele, o pedaço da bala retirado do corpo da criança é tão pequeno, mas tão pequeno, que dificulta o trabalho da perícia para esclarecer qual o calibre do tiro que a atingiu. Infelizmente, teve tamanho suficiente para tirar a vida dela. Apesar do pequeno fragmento, pelas investigações ainda não é possível descartar que o tiro foi de fuzil. O laudo da perícia sai hoje. Ao todo, nove armas de policiais estão apreendidas.

“Os fragmentos são muito pequenos porque o tiro vai batendo em vários lugares. Por isso, são muito reduzidas as possibilidades de identificar qual era o calibre ou de que arma saiu”, explicou.

O motorista da Kombi em que Ágatha foi baleada reafirmou, ontem, em depoimento na DHC, que não havia confronto quando a menina foi atingida. “Não houve tiroteio nenhum. Foram apenas dois tiros. Perdemos uma criancinha por causa da irresponsabilidade deles”, frisou ele, que não quis revelar o nome.

A Polícia Militar informou que não havia operação na hora em que Ágatha foi baleada. Segundo a corporação, agentes faziam policiamento de rotina, quando revidaram após serem atacados por criminosos da comunidade.
Mais policiais prestam depoimento
Além do motorista, mais quatro PMs prestaram depoimento ontem, na DHC. Na segunda-feira, a polícia ouviu oito policiais da UPP Fazendinha, no Complexo do Alemão, que estavam envolvidos na ação. O teor das declarações dos 12 militares ouvidos, entretanto, está sendo mantido sob sigilo. Hoje de manhã, os pais e o avô de Ágatha vão depor.

Apesar das declarações enfáticas do motorista e da mãe de Ágatha, garantindo que não havia confronto no Alemão, o delegado prefere aguardar o fim das investigações. “O tiro foi pelas costas. Estamos ouvindo 12 policiais e ainda é cedo para dizer se houve ou não confronto”, explicou Rosa.

‘Fica com a mamãe’
Os pais da menina Ágatha Félix, de 8 anos, vítima de uma bala perdida no Complexo do Alemão, falaram sobre a filha pela primeira vez, na manhã de ontem, no programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo. A mãe da criança, Vanessa Francisco Sales, lembrou emocionada o momento em que a pequena foi atingida.

Vanessa contou que estava com a filha no colo até um determinado ponto da comunidade, mas, quando quase todos os passageiros desceram, ficaram somente elas duas e mais um rapaz. A menina, então, passou para o banco ao lado, quando ouviram um estrondo.

“Ela disse ‘mãe, mãe, mãe’, e eu ‘calma, filha, já passou’, e ela ‘mãe, mãe, mãe’ e o rapaz ‘calma, já passou’. A gente se abaixou para poder sair, porque ficamos muito assustadas, mas foi um barulho só. Eu não conseguia puxar a Ágatha, porque ela não mais se movimentava. Mas, até então, ela estava ‘mãe, mãe, mãe’. Depois, começou e eu: ‘ela levou um tiro, ela levou um tiro’. E aquilo sangrando. Eu vi um buraco, eu não estava acreditando no que estava acontecendo na minha vida naquele momento. Eu não estava acreditando, porque a minha filha era perfeita, minha filha desenhava, minha filha era estudiosa, era obediente”, contou Vanessa.

Ainda segundo Vanessa, o motorista da Kombi seguiu com ela e filha para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e, ao chegar ao local, um policial militar colocou a menina na viatura para levar para o Hospital Geral Getúlio Vargas.

“Ele (PM) pegou minha filha, colocou na viatura e saiu correndo. Ela não falava mais, tentei ouvir o coração, mas já não sei se estava batendo ou não, estava fraquinho. Chegando na porta do hospital, ela deu dois suspiros e eu disse ‘a mamãe está aqui, fica com a mamãe’. Pegaram minha filha, correram e naquele momento eu não estava acreditando no que acontecia, o que eu mais temia, do que a gente mais se escondia para não acontecer, aconteceu”, lembrou a mãe.

Vanessa contou que se proteger de balas perdidas já era rotina na vida da família, e Ágatha se assustava a cada tiro. Ela disse, ainda, que a família planejava se mudar para um ponto mais baixo da comunidade por conta dos confrontos.

“A gente se escondia no box do banheiro. Teve um dia que a gente foi para o box, peguei o edredom e o travesseiro, deitamos lá, e naquele dia ela estava muito assustada, sempre tinha medo. Ficamos abraçadas durante um tempo, que demorou, porque agora está demorando, tem muita bala, demora várias horas, é uma eternidade, em qualquer momento do dia. A gente estava tentando ter uma vida melhor, o mundo está muito mau, e eu falava ‘Gilson (marido), aqui em cima está muito perigoso, vamos tentar ver uma casa lá pra baixo. E justamente lá embaixo é que ocorreu”, disse emocionada.

“Naquele dia não tinha nada, não tinha acontecido nada. Eu trabalho perto. Nem todo mundo que está andando de moto, ou de mochila, ou com uma maquita, uma furadeira, não é assim, chegar e confundir com bandido e atirar”, completou Adegilson Félix, pai de Ágatha.

Dom Orani Tempesta celebra missa em memória da pequena Ágatha
Em homenagem à pequena Ágatha Félix, foi realizada, na noite de ontem, a ‘Missa pela Paz’, celebrada na Basílica Santuário de Nossa Senhora da Penha, conhecida popularmente como Igreja da Penha. A cerimônia foi realizada pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Dom Orani João Tempesta. Vestidos de branco, os fiéis vieram de diferentes regiões da cidade.
“São muitos eventos de violência no Rio. Cada dia nós somos assaltados por tanta notícia de gente que mata, morre. Ultimamente aqui nessa região, houve episódios bastante dolorosos como o da menina Ágatha.Olhando tudo isso, tantas crianças que morreram este ano, vítimas de bala perdida, queremos pedir a Deus, por meio de Maria, que nós sejamos instrumentos de paz. Que cada pessoa, na sua família, região, possa ser instrumento de paz e fraternidade”, pediu Dom Orani.

Segundo ele, a violência não se enfrenta com violência,e a Igreja quer o caminho da paz. “Toda a nossa preocupação é nesse caminho, como trabalhar pela paz e com a paz. Eu creio que a violência só gera violência”, afirmou. A solidariedade às vítimas de violência levou a moradora de Olaria, na Zona Norte, Marli Machado, de 72 anos, a ir à cerimônia acompanhada da neta, de 11. “O Rio está precisando de muita paz”, pediu.