No filme "As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa", os personagens são transportados por um guarda-roupa para um mundo mágico chamado Nárnia. É essa a comparação que Ricardo Cavalcante, de 51 anos, faz com a entrada pelos portões do projeto Faixa Preta de Jesus, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Ao colocar os pés no local, jovens, crianças e adultos em situação de vulnerabilidade social - alguns deles, vítimas de drogas, de abuso sexual e do crime organizado - têm a oportunidade de ter as vidas transformadas. Pelo esporte e pela cidadania.
O projeto, que é liderado há 12 anos por Cavalcante, está localizado em um município que está entre as 10 cidades fluminenses acima de 100 mil habitantes listadas como as mais violentas do estado, de acordo com o Atlas da Violência, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Neste cenário, o objetivo de Cavalcante é tenta mudar a perspectiva de futuro dessas pessoas. A iniciativa tem como carro-chefe as lutas marciais, e conta com um tatame, octógono e ringue. Ele atende a cerca de 500 pessoas, com a distribuição de 3 mil pratos de comida por mês e ainda aulas de inglês e francês, café da manhã, almoço e jantar para as crianças e transporte dessas para as comunidades onde vivem, após um dia de atividades na instituição.
Sem preconceito
De acordo com Cavalcante, a instituição abraça sem preconceito todos os que querem fazer parte dela. "Não importa sexo, cor, religião, idade, nada. O importante é abrir as portas para todos", garante Ricardo, faixa roxa em Jiu-jítsu, que passou boa parte da juventude viciado em drogas e chegou até a ser preso por tráfico. "Quando estava morando nas ruas e era viciado, sonhei com o nome Faixa Preta de Jesus. Consegui emprego e, aos poucos, me recuperei. Invadi esse galpão abandonado (sede do projeto), o que me levou à delegacia duas vezes. Fiz a maquete do projeto e consegui alugar o espaço por dez anos", lembrou.
Cavalcante luta para manter o Faixa Preta de Jesus de pé. Ele conta com várias parcerias, como uma fabricante de macarrão e biscoitos que fornece alimentos e uma empresa que paga luz, internet e funcionários, além de doações de atletas, artistas, voluntários e simpatizantes do projeto. "Já nascemos com o não e corremos atrás do sim", reforçou o idealizador, destacando a importância do projeto social na formação de caráter das crianças: "Há vários garotos que mudaram de vida aqui".
Antes de se tornar professor do Faixa Preta, ajudando crianças e jovens, André Luiz da Silva, de 36 anos, conhecido como Ceasa, passou por momentos de dificuldades provocados pelo vício em drogas e álcool.
"Estava morando nas ruas da Ceasa, longe da minha família. Vi o projeto lá fazendo uma doação e pedi ajuda. Já tinha sido lutador de Muay Thai, e hoje, sou funcionário do projeto", contou.
Além de jovens em vulnerabilidade social, o Faixa Preta atende crianças com necessidades especiais. Daniela Cavalheiro, mãe de Cecília, de sete anos, com Síndrome de Down, e de Valentina, de quatro, com espectro de autismo, conseguiu para as meninas aulas de lutas marciais no projeto. "Onde todo mundo fecha portas, o Ricardo abre. As atividades ajudaram muito na interação e comportamento das minhas filhas", comentou Daniela.
Aos cinco anos, o pequeno William sabe na ponta da língua o que quer para o seu futuro: "Vou ser lutador. Gosto daqui, venho para lutar, brincar e comer". Ignaldo Bezerra, pai do menino, é soldador desempregado e conta que jamais poderia pagar pelo que William recebe no projeto. "Aqui ele é tratado com muito carinho".
Segundo Ricardo, o time de colaboradores é composto por professores, psicólogos, assistentes sociais e nutricionistas. "As crianças também são levadas para dentista e pediatra", acrescentou. O Faixa Preta também conta com apoios ilustres, como o dos irmãos lutadores Rodrigo Minotauro e Rogério Minotouro. Os campeões de MMA visitaram a sede da instituição em 2015 e se encantaram. "Um projeto social bem feito muda um bairro, uma cidade, um estado e um país", reforçou Cavalcante.