Quem compra um tênis, uma bateria ou carregador de celular, um par de óculos ou um maço de cigarros contrabandeados muitas vezes não se dá conta de que por trás de uma corriqueira transação existe uma cadeia criminosa, que gera um prejuízo ao País de mais de R$ 193,1 bilhões ao ano, segundo estudo do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). Sem falar que tais produtos não se submetem a nenhum controle no Brasil.
Quem compra produtos ilegais está financiando o crime organizado, que controla a comercialização dessas mercadorias, gerando ainda mais violência nas ruas e corrupção. Além disso, causa danos à economia do país, pois não cria empregos e nem atrai investimentos.
O grande volume comercializado assegura alta rentabilidade ao mercado ilegal. Não à toa, o contrabando é apenas uma de várias atividades desenvolvidas por redes criminosas organizadas, como tráfico de drogas e armas e lavagem de dinheiro. O risco, para tais quadrilhas, é relativamente baixo: além das brechas fronteiriças e da fiscalização falha em pontos de venda, as penas são mais brandas do que as aplicadas para outros crimes praticados por estas organizações, ou seja, altíssimo lucro com baixo risco.
Investigações da Polícia Federal confirmam que facções criminosas do Rio e de São Paulo que já controlavam presídios, favelas e o tráfico de drogas, investem agora no contrabando de cigarros. Este crime se tornou um dos maiores financiadores das quadrilhas. Recursos obtidos com este mercado ilegal estão sendo usados na compra de armas e munição.
O preço baixo é um dos motores que impulsionam o contrabando. No caso dos cigarros, o ilegal no Rio custa, em média, R$ 3,61 (segundo o Ibope), enquanto que o legal custa, no mínimo, R$ 5 (definido por Lei). De acordo com o FNCP, o mercado ilegal cresce 14% ao ano no Brasil. O mecanismo é muito simples: quem consome paga menos que no mercado regular; quem vende tem poucos riscos e altos lucros, já que não paga impostos.
"As pessoas ainda não associam esta prática a algo muito grave e quem opera nesta cadeia de contrabando e mercado ilegal sabe disso. A população reclama da violência e da corrupção, mas, ao mesmo tempo, contribui, mesmo que involuntariamente, para que elas aumentem", lamenta Edson Vismona, presidente do FNCP.
A questão é mais profunda. "O dinheiro não fica na mão do camelô ou da vendinha, vai para a organização criminosa, que tem o grande lucro, investindo em mais produtos ilegais, tráfico de drogas, armas, munição… Cria-se um manancial de recursos que dão sustentação à estrutura criminosa", ratifica Vismona.
E, ao contrário do que muita gente pensa, não são apenas ambulantes que vendem produtos ilegais. No Estado do Rio de Janeiro, 82% dos cigarros ilegais já são negociados no comércio formal, principalmente em bares, padarias e mercados/mercearias, segundo dados do Ibope deste ano.
Só a cifra citada no início desta reportagem é a soma do prejuízo de 13 setores industriais. A maior parte das perdas fica concentrada no setor de vestuário (R$ 58 bilhões), seguido pela indústria do tabaco (R$ 14,4 bilhões) e de medicamentos (R$ 10 bilhões). Diante disso, a estimativa dos impostos que deixam de ser arrecadados chega a 46% (R$ 62,4 bilhões).
As perdas decorrem do não recolhimento de tributos federais (IPI, PIS/COFINS), estaduais e municipais (ICMS e ISS). Os locais utilizados para depósitos e vendas de tais mercadorias muitas vezes são imóveis abandonados ou de propriedade do poder público, que sofreram invasões. Difunde-se, assim, a venda em vias e estações de transporte público, concorrendo de maneira desleal com o comércio legal e muitas vezes colocando em risco a saúde da população, como no caso de brinquedos feitos com materiais prejudiciais às crianças.




