Gustavo posou com Riocard e camisa da rede municipal de ensino em Lisboa
 - Arquivo Pessoal
Gustavo posou com Riocard e camisa da rede municipal de ensino em Lisboa Arquivo Pessoal
Por Julia Noia* e Rachel Siston*
Rio- Quando dizem que o mundo vai acabar e só vai sobrar carioca para contar a história, é para levar a sério. Nos últimos meses, suburbanos de diversos bairros viajaram para várias partes do mundo e fizeram selfies "ostentando" seus bilhetes do RioCard. Diz a lenda que eles pegaram os ônibus de costume, mas passaram do ponto e acabaram em outro países.

A brincadeira viralizou depois que a página no Facebook 'Suburbano da depressão' compartilhou o registro dos usuários com o cartão fora do país. "Comecei a receber fotos de pessoas com o RioCard em pontos turísticos do mundo inteiro. Isso mostra o orgulho de ser carioca", explicou Vitor Almeida, cofundador da página.

Lembrança da cidade

Morando em Leiria, Portugal, o engenheiro de produção Gustavo Pasqualini, 27 anos, quis levar um pouco do Rio na mala e não conseguiu pensar em nada mais carioca que o bilhete eletrônico. Inspirado na moda de estrangeiros com blusas da rede municipal de ensino, ele quis garantir que o cartão tivesse seu espaço.
A Renata Emílio dormiu no transporte público e foi parar em Edimburgo, na Escócia - Reprodução Suburbano da Depressão

"Vim para Portugal fazer mestrado e me senti na obrigação de trazer um pouco do Rio que tanto amo: o RioCard e a camisa de escola pública. Eu já havia visto a foto de uma pessoa com essa camisa escolar e por coincidência estava me mudando para Portugal, não podia deixar de participar e impulsionar a brincadeira. Acho que isso também influenciou bastante, os próprios cariocas entraram na brincadeira e 'viajamos' com essas lembrancinhas da cidade", explicou.

Apesar de ter conseguido levar na bagagem duas partes importantes do Rio, Gustavo não pôde embrulhar para viagem o melhor amigo do seu RioCard: o ônibus 457 (Abolição x Copacabana). "Eu morava no Cachambi, pegava o trem no Méier até a Central, ia pra faculdade de 455 e voltava de 457 para casa. O 457 era o ônibus da minha vida! Passei anos pegando esse ônibus, eu ia até para a praia com ele", lembra o jovem.

O amor pelo subúrbio vai além das palavras para o produtor de eventos Diogo Stanley, de 27 anos. Autointitulado "cria" da Vila da Penha, na Zona Norte do Rio, ele eternizou as alegrias e perrengues do cotidiano com a tatuagem "suburbano" e o DDD da cidade (21), que o fazem lembrar da paixão pelo Rio e por seu companheiro de rotina: o RioCard. No restaurante Planet Hollywood da Disney, Diogo tentou pagar a conta do restaurante com o bilhete do ônibus. "Era uma brincadeira minha com meus amigos de sair e dizer que estávamos sem dinheiro. Entrei na brincadeira e falei que estava duro, mas o RioCard tinha crédito", contou.

Em solo carioca, o produtor de eventos já rodou muito na extinta linha 355, que partia de Madureira e rodava pelo Centro, e também o 712, que liga os bairros de Irajá e Cascadura. Além de levá-lo de casa para o trabalho, o RioCard era parceiro até no fim de semana. "Ajudava muito, porque era mais barato e dava para usar dois ônibus pelo preço de um", explicou Diogo.

Suburbano da Depressão

Em 2012, o historiador Vitor Almeida pensou em criar um espaço para a cultura de subúrbio e, assim, nasceu o 'Suburbano da depressão'. "A página surgiu justamente para brincar com a ideia de que o suburbano se deprecia há décadas. Para mim, sempre foi um projeto político", explicou. Sete anos depois, a página tem 400 mil seguidores e atinge quase cinco milhões de pessoas por mês.

"Ganhou proporções que eu não imaginava, mas as pessoas se sentem representadas, mandam situações engraçadas de família que viram memes. Hoje, a página praticamente faz parte da cultura suburbana da cidade. Ela nasceu para brincar, e hoje disputa narrativas dentro da cidade", concluiu Vitor.
Anderson Lima foi para a Cordilheira dos Andes com o bilhete - Reprodução Suburbano da Depressão
A vida sempre imita a arte. Ou vice-versa
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Assim como o RioCard virou uma brincadeira entre cariocas, no cinema um anão de jardim também virou uma espécie de "passaporte da alegria" para inspirar seu dono, Raphael Poulain, pai de Amélie em 'O fabuloso destino de Amélie Poulain', longa francês de 2001.

Ao se mudar para um apartamento em Paris, a jovem encontra uma caixa com recordações do antigo inquilino e, pensando na importância de se viver intensamente, ela decide ajudar o pai a encontrar o sentido da vida.

Amélie viaja mundo afora mandando fotos do anão em lugares históricos, como o Palácio Vermelho, na Rússia, a Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos, e o Partenon, na Grécia. As viagens do boneco de gesso motivam Raphael a largar a apatia e a desbravar o mundo.
*Estagiárias sob supervisão de Bete Nogueira
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Suburbano da Depressão
Em 2012, o historiador Vitor Almeida pensou em criar um espaço de valorização do suburbano e da cultura do subúrbio, e assim nasceu o Suburbano da Depressão. “A página surgiu justamente para brincar com a ideia de que o suburbano se deprecia há décadas. Para mim, sempre foi um projeto político”, explicou. Sete anos depois, a página tem 400 mil seguidores e atinge quase cinco milhões de pessoas por mês.

“Ganhou proporções que eu não imaginava, mas as pessoas se sentem representadas, mandam situações que acontecem dentro da família, momento engraçados para criar memes. Hoje, a página praticamente faz parte da cultura suburbana da cidade. Ela nasceu para brincar, e hoje disputa narrativas dentro da cidade.”
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A vida imita a arte
Assim como o RioCard é um amuleto para os cariocas, o anão de jardim de Raphael Poulain também rodou o mundo abraçado com Amélie em "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", longa francês de 2001. Depois de se mudar do subúrbio da França, onde cresceu isolada do mundo, para um apartamento em Paris, a jovem encontra uma caixa com recordações do antigo inquilino de seu apartamento e decide ajudar seu pai a encontrar o sentido da vida através de seu anão de jardim. Amélie rouba o ornamento e viaja mundo afora mandando fotos do anão em lugares históricos como o Palácio Vermelho, na Rússia, a Estátua da Liberdade, nos Estados Unidos, e no Partenon, na Grécia. As viagens do adorno de jardim motivam Raphael, pai de Amélie, a largar a vida apática e desbravar o mundo.

Já para Ryan Bingham, personagem de George Clooney no filme “Amor Sem Escalas”, as 322 viagens que faz por ano não têm outro significado além de demissões e colecionar milhas aéreas. Expert em despedir funcionários de maneira humanizada e frio em sua vida sentimental, as viagens a trabalho se tornam românticas quando são a única oportunidade de estar com sua grande paixão, Alex Goran, que vive a mesma rotina. Entre uma ponte aérea e outra, o casal vive momentos de ternura e paixão em quartos de hotel. Além de vivenciar o amor de maneira inusitada e única, Bingham começa a entender o verdadeiro significado de empatia.