Aos 7 anos de idade, foi a primeira vez que Jorge Luiz Ferreira, hoje com 37, aprendeu a chamar "mãe". O histórico de abandono desde a infância levou o paulista, nascido na cidade de Campinas, a crescer na dureza das ruas. Dos 5 aos 35 anos, viveu em São Gotardo, no Triângulo Mineiro, até decidir tentar refazer a vida no Rio de Janeiro. Debaixo de uma marquise na Avenida Mem de Sá, na Lapa, sua história ilustra a realidade de um inestimável número de pessoas em situação de rua que desejam apenas ter um emprego, um lar e uma vida digna, mas são impedidas pela discriminação e a burocracia.
"Eu tinha de 10 pra 12 anos e já morava na rua quando minha mãe passou, levou meu irmão e não quis me levar. Ela sempre morou de aluguel. Como quer que eu seja feliz?", lembra Jorge, que não conheceu o pai e morou pouco tempo de favor com parentes. A desestrutura familiar o faz preferir a rua. "A polícia ia lá e obrigava minha mãe a cuidar de mim. Ela nunca deixava eu entrar em casa. O que aprendi foi na rua. Meus tios foram presos, eram assaltantes, traficantes. Falei: 'Não quero isso pra mim'".
O proprietário da Bar Bearia Club, Rafael da Hora, conta como conheceu Jorge. pic.twitter.com/fikl466EJ6
— Jornal O Dia (@jornalodia) October 7, 2019
Há dois anos, Jorge ganhou doação de voluntários e comprou uma passagem de ônibus para o Rio. Raramente ele liga para a família. Só para dizer que passa bem, mas nunca revelou seu paradeiro. No mês passado, pediu ajuda a pessoas que passam em frente a uma agência bancária no 107 número da Mem de Sá, onde vive, para tirar a Carteira de Trabalho. O documento fora furtado com uma mala enquanto dormia debaixo de um viaduto no Centro do Rio.
Desde 25 de setembro, O DIA acompanha as dificuldades de Jorge na busca por um trabalho formal. Ele estava agendado para tirar a carteira profissional no Ministério do Trabalho na manhã seguinte. "Precisei argumentar, porque a mulher queria que eu levasse comprovante de residência. Como, se moro na rua?".
Comovido com a história, o proprietário da Bar Bearia Club, na Av. Mem de Sá, presenteou o morador de rua com um tapa no visual. Jorge chegou à barbearia com corpo curvado e olhar constrangido. Saiu confiante para lutar por um emprego. Estava há um mês sem cortar barba e cabelo. "Ele nunca pedia nada. Uma vez, perguntei se queria cortar o cabelo e aceitou. É importante olhar para o ser humano, apertar a mão, perguntar se está bem. Um gesto simples que pode mudar muita coisa", diz Rafael da Hora, dono do salão.
Jorge não dormiu aquela noite. Medo de perder a hora. Precisava estar no ministério às 8h e não tem relógio. Seu despertador é a luz do dia. Com a carteira na mão, começou a se sentir pertencente à sociedade. "Pra pessoa ter uma vida social, tem que ter documento. Estou mais feliz, porque só falta a oportunidade do trabalho. Quem puder me ajudar, estou à disposição", pede, com sorriso discreto e certa esperança.