Ana Lúcia Cortes e Ricardo Heleno Mendes foram os grandes vencedores da terceira edição da disputa - fotos Cléber Mendes
Ana Lúcia Cortes e Ricardo Heleno Mendes foram os grandes vencedores da terceira edição da disputafotos Cléber Mendes
Por Maria Luisa de Melo

Depois de oito anos perambulando pelas ruas da cidade, Ana Lúcia Cortes, de 57 anos, conseguiu há dois meses uma vaga para viver no Hotel da Central do Brasil. Foi lá que descobriu o concurso Miss e Mister Rua, voltado para moradores de rua, criado pelo produtor Eduardo Arauju, com o apoio da Secretaria Municipal de Assistência Social. O objetivo principal de Ana Lúcia, era o mesmo da maioria dos participantes da disputa: conseguir visibilidade para arranjar um emprego. O que ela não imaginava era que seu carisma a faria levar o título já em sua primeira participação. 

"Já fui auxiliar de serviços gerais, sei fazer bastante coisa. Essa mulher de cara bonitinha aqui já ralou muito", brincava ela no camarim, enquanto aguardava para desfilar numa passarela improvisada no Museu do Amanhã, no Píer Mauá. Xuxa, como ficou conhecida pelas ruas da cidade, era visivelmente a mais emocionada, entre os 19 participantes. "Quis competir porque é uma experiência que aumenta a nossa autoestima. Não imaginei que fosse ganhar. Agora vou levar a faixa lá para o Hotel da Central do Brasil".

O carinho com o qual se refere ao hotel popular da Central do Brasil é o mesmo de Ricardo Heleno Mendes da Cruz, de 45 anos, que venceu a disputa do Mister Rua. Depois de dois anos morando na rua, o ex-agente funerário conseguiu há pouco mais de um mês uma vaga no Hotel Solidário Profeta Gentileza, em Bonsucesso.

Apesar de elogiar o tratamento recebido na unidade, onde orgulha-se de ser chamado de senhor, ele relembra que não é fácil conseguir vaga ali. Ele aproveitou o momento do desfile para fazer uma crítica ao governo estadual. No dia anterior à disputa, confeccionou um cartaz em homenagem à menina Ágatha Félix, morta aos 8 anos, durante uma ação da polícia na Fazendinha, uma das favelas que compõe o Complexo do Alemão.

"Muitas Ágathas estão morrendo e o governador dizendo que está no caminho certo. Parece que tudo está errado. A gente quer uma oportunidade e não tem", desabafa ele, que conta ser usuário de drogas em tratamento.

Antes do desfile começar, o grupo ensaiava no camarim e comemorava a produção dispensada aos participantes, com roupas e maquiagem. Entre as mulheres, a maioria nunca havia sido maquiada.

Para o criador do projeto, Eduardo Arauju, é necessário ter mais iniciativas que elevem a autoestima da população que vive nas ruas. "Nosso objetivo sempre foi dar voz, visibilidade e ajudar a transformar a caminhada dessas pessoas. Isso é fundamental", disse ele, que também foi o criador do Concurso Miss Plus Size.

Um dos jurados do evento, o carnavalesco Milton Cunha exaltou a população humilde, acolhida em abrigos: "Cada um com sua característica, com seu sentimento, sua humanidade. O bacana aqui é a gente conseguir enxergar o potencial de cada um. Viva o povo da rua!", emocionou-se.


O desafio da empregabilidade

Uma conversa rápida com os participantes e ex-participantes do concurso revela a maior preocupação da turma: a dificuldade de se conseguir um emprego sendo morador de rua.
Publicidade
Vencedora do Miss Rua no ano passado, Jéssica Cristina de Souza, de 39 anos, é uma das que credita a uma oportunidade de emprego a chance de conseguir viver em uma construção salubre. Mãe de um bebê de dois meses, ela conta que teve que deixar seu filho com uma tia da criança pelo fato de viver em uma invasão, às margens da Avenida Brasil: "Ganhar o concurso no ano passado foi importante pra mim porque elevou minha autoestima. Hoje eu digo sem medo de errar que a gente, da rua, é gente como os demais".
A afirmação é parecida com a da transexual Dafiny Hoito, de 32 anos. "Queremos uma oportunidade de voltar para a sociedade, que nos exclui. Não somos lixos", reclama.
Publicidade
 
Você pode gostar
Comentários