(Imagem ilustrativa) Segunda-feira atingiu sensação térmica de 45,2ºC em Irajá, Zona Norte do Rio - Reginaldo Pimenta
(Imagem ilustrativa) Segunda-feira atingiu sensação térmica de 45,2ºC em Irajá, Zona Norte do RioReginaldo Pimenta
Por Gustavo Ribeiro e Thuany Dossares

Rio - O calor chegou de vez ao Rio. E, com ele, o inferno dentro dos ônibus sem ar-condicionado que circulam pelas ruas. A dura rotina com temperaturas insuportáveis já fez os cariocas suarem em bicas, ontem, e trouxe a lembrança do que está por vir no verão. A frota só estará 100% climatizada em 30 de setembro de 2020, como prevê a última decisão judicial. Isso se a queda de braço entre empresas e prefeitura, que se arrasta desde 2002, não ganhar novo adiamento.

"Tá muito quente e é só o começo", lamenta uma passageira do ônibus 301 (Alvorada x Rodoviária), do Consórcio Transcarioca, num desabafo que resume bem a situação de quem anda de ônibus numa das cidades mais quentes do mundo.

Mais do que o desconforto, o calorão pode prejudicar a saúde, como é o caso de Ana Claudia, de 60 anos. A bordo do 460 (São Cristóvão x Leblon), do Intersul, ela diz que sua pressão arterial já chegou a 19. "A questão não é nem só o calor, não. Eu sofro de pressão alta. Quando o ônibus está lotado piora tudo. Fica uma sensação de que está mais quente ainda. É um absurdo não terem ar-condicionado".

Na Candelária, um motorista que faz a linha 312 (Olaria x Candelária) estacionou o veículo no ponto final e já desceu reclamando: "Quente está aí fora, dentro do ônibus está uma sauna. Cadê o ar?", questiona ele, que prefere não se identificar. Rodoviário há 14 anos, ele passa sete horas de seu dia dirigindo um ônibus que ainda não é climatizado.

Além dos quentões, outra queixa de motoristas e passageiros é a falta de manutenção dos aparelhos de ar-condicionado. "Quando chegam, os carros vêm com o ar gelando. Mas não tem manutenção, não passa muito tempo, alguns apresentam defeitos. Fica mais quente dentro do que fora", diz outro rodoviário. "Não vejo a hora de o ônibus que eu pego ter ar. Mas que tenha um que dê vazão, né?", reforça a auxiliar de saúde bucal Mariana Alves Rodrigues, de 22 anos, usuária do 639 (Saens Peña x Jardim América).

Fiscalização

De acordo com a determinação judicial, a Prefeitura do Rio deve realizar intervenção parcial no contrato de concessão dos ônibus implementar a climatização total da frota. O processo de intervenção se iniciou em 2018, com o Ministério Público estadual à frente, e foi judicializado em agosto deste ano. De acordo com a decisão do TJ, o município vem adotando "uma postura omissa e leniente no trato da questão".

O Rio Ônibus, que reúne as empresas, respondeu que "está atuando junto para renovar a frota e climatizar todos os ônibus da cidade até setembro de 2020". A Secretaria municipal de Transportes não respondeu até o fechamento da edição.

Dupla função é outro assunto que esquenta a cabeça dos motoristas

Além de não ter um frescão para dirigir, os motoristas enfrentam outro problema além do calor: o acúmulo de função. Desde 2009, aproximadamente oito mil cobradores foram demitidos, sob a justificativa de que, com a bilhetagem eletrônica, não havia mais necessidade do serviço prestado pela categoria, segundo o Sindicato dos Motoristas e Cobradores do Rio de Janeiro (Sintraturb Rio).
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"Nossa postura sempre foi contra a dupla função. Entendemos que o cobrador é um auxiliar do motorista, não só para receber dinheiro, mas para dar informação a um passageiro, auxiliar idoso e deficientes físicos", declarou o presidente do Sintraturb Rio, Sebastião José.
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O acúmulo de função, segundo o sindicato, ainda prejudica o serviço prestado pelo motorista, já que ele não pode se concentrar no trânsito. "Entendemos também que viola os códigos de conduta das leis de trânsito. Ainda atrasa a viagem, porque o profissional perde tempo tendo que dar troco", finalizou.
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Sobre a dupla função, o Rio Ônibus ressaltou que o Supremo Tribunal Federal já ratificou decisão do Tribunal Superior do Trabalho considerando as funções de motorista e cobrador compatíveis. "Além do mais, há decisão judicial determinando que o Município se abstenha de aplicar as sanções impostas na Lei 6.304/2017", diz, em nota.
Novela sem final feliz para os cariocas
Produto pode ser utilizado em todos os meios de transporte
Produto pode ser utilizado em todos os meios de transporteReginaldo Pimenta
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As metas de refrigeração dos ônibus no município viraram novela há muito tempo, sem final feliz para o carioca. A história teve início há pelo menos 17 anos. Em 2002, o então prefeito Cesar Maia liberou um aumento de 10% para as empresas colocarem ônibus com ar-condicionado. Ele estimava que, em cinco anos, toda a frota estaria climatizada.
Em 2014, um decreto de Eduardo Paes determinou que todos os novos ônibus deveriam ser equipados com ar. Na ocasião, 20% dos veículos eram refrigerados. E as metas da prefeitura eram: 30% até o fim de 2014, 60% até 2015, e 100% até 2016. Um acordo chegou a ser firmado na Justiça com o Ministério Público selando o compromisso.
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No último dia de 2015, Paes publicou um decreto em que reduziu para 70% a meta de ônibus com ar-condicionado até o fim de 2016. Em janeiro de 2016, o MPRJ pediu à Justiça a suspensão do decreto que reduzia a meta para 70%, e o processo teve diversas idas e vindas. Em fevereiro daquele ano, o Tribunal de Justiça manteve a exigência da refrigeração completa até o fim do ano. Em julho de 2018, já na gestão de Marcelo Crivella, a Justiça negou pedido para adiar a climatização até a conclusão e operação do BRT Transbrasil. Na ação, a prefeitura pretendia não ser responsabilizada pelas consequências de não ter cumprido a meta estabelecida para 2016.
Em janeiro de 2019, Crivella ajustou o calendário da refrigeração. Em troca do reajuste de R$ 3,95 para R$ 4,05, as empresas teriam que colocar ar em toda a frota até setembro de 2020. Por fim, em agosto, a Justiça determinou que a prefeitura faça intervenção parcial no contrato para garantir o cumprimento da meta até 30 de setembro do ano que vem.
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