"A situação é de medo. Não temos condição nenhuma de trabalho", desabafa uma enfermeira do Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, sobre a falta de equipamentos para profissionais que estão na linha de frente do atendimento ao novo coronavírus. A profissional, que pediu para não ser identificada com medo de represália, narra um clima de tensão e insegurança que só agravou depois da morte de um técnico de enfermagem da unidade, vítima da Covid-19, anteontem. Ontem, profissionais do Miguel Couto homenagearam o colega com oração e balões brancos na porta do hospital.
Ainda de acordo com a denúncia da enfermeira, os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para enfermeiros e técnicos de enfermagem que trabalham nos setores são óculos de proteção e máscara N95, que não tem prazo para ser trocada. "Estou trabalhando com a minha há vários plantões até conseguir uma nova", revela a profissional.
Ainda de acordo com a enfermeira, não foi aumentado o número de profissionais e diz ainda que a incerteza é outro fator com que trabalham, já que ninguém sabe quem tem o vírus ou não. "Até hoje (ontem), pelo que eu saiba, ninguém foi testado no Miguel Couto. Todo mundo assustado, com muito medo. Porque além das pessoas trabalharem e se contaminarem, elas estão levando para dentro de casa. Nós não temos touca, propé para proteger nossos sapatos. Nós saímos do hospital levando contaminação para tudo que é lado. Essa é a realidade, é a nossa triste realidade", alerta. "A situação é bastante precária. E eu acho que o perfil futuro do hospital é de muitos funcionários contaminados e algumas mortes, infelizmente. Porque para você trabalhar na linha de frente você pelo menos tem que ter um suporte e não é isso que acontece dentro do Miguel Couto", acrescenta.
Procurada, a SMS diz que não faltam EPIs no Miguel Couto. "Nesta semana estão sendo distribuídos 460 mil capotes para as unidades. Também foram compradas 1,1 milhão de máscaras N-95. Além disso, 3 milhões de máscaras, óculos e outros itens comprados na China devem chegar na próxima semana", afirma o órgão em nota. A pasta afirma, ainda, que estão em fase de implantação 10 centros de testagem de covid-19 para os profissionais da rede.
"Do universo de 298, 14 não possuíam máscara cirúrgica, o que impactava em 786 profissionais expostos; 23 não disponibilizavam máscara N95, expondo 283 profissionais de enfermagem em assistência direta a procedimentos invasivos. Além do exposto, 29 instituições não possuíam capote. No que se refere aos afastamentos, o Coren-RJ identificou 548 profissionais afastados, sendo testados somente 31 e confirmados 19", diz a assessoria do Coren-RJ por nota.
"Ele era um colega maravilhoso, tranquilo, calmo, sempre com um sorrisão no rosto. Muito respeitador e profissional. Um cara que vai deixar muita saudade. Um grande profissional de saúde. Foi uma perda que abalou todos os funcionários da unidade, todos ficaram chocados: médicos, assistente social, enfermeiros, técnicos, maqueiros", conta um profissional do Miguel Couto, que pediu anonimato.
A técnica em enfermagem Nilcemar Melo, que por 27 anos foi companheira de Jorge, diz que o marido era uma pessoa muito boa e alegre. "Ele estava bem e de repente começou uma febre. Tomava remédio, teve uma piorada no sábado, por teimosia não ia para o hospital. No domingo teve falta de ar e na madrugada para segunda fomos para o hospital. Ele faleceu na terça-feira, à tarde, 12h45", conta ela, aos 56 anos.
Nilcemar diz que ninguém do Miguel Couto ainda foi testado. "Nem eu que trabalho no Lourenço Jorge e estou de quarentena", afirma ela, que fez tomografia e que está afastada de suas funções. "Peço para que as pessoas tenham cuidado. Só acontecendo com a gente que vemos que é serio. Nosso presidente da República nem está ligando. Meu marido votou nele e gostava dele. Justiça não quero. Ele sabia do risco que corria. Falei para ele”, desabafa a técnica emocionada.
Em Santa Cruz, na Zona Oeste, moradores fizeram oração para profissionais da saúde na porta do Hospital Municipal Pedro II. Alguns dos presentes se ajoelharam durante o momento de prece. Eles pediram para que Deus protegesse pacientes, funcionários e aplaudiram o trabalho das equipes de saúde.