Na porta do Miguel Couto, profissionais da saúde prestam homenagem a técnico de enfermagem, vítima da covid-19 - Reprodução/TV Globo
Na porta do Miguel Couto, profissionais da saúde prestam homenagem a técnico de enfermagem, vítima da covid-19Reprodução/TV Globo
Por Gabriel Sobreira

"A situação é de medo. Não temos condição nenhuma de trabalho", desabafa uma enfermeira do Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, sobre a falta de equipamentos para profissionais que estão na linha de frente do atendimento ao novo coronavírus. A profissional, que pediu para não ser identificada com medo de represália, narra um clima de tensão e insegurança que só agravou depois da morte de um técnico de enfermagem da unidade, vítima da Covid-19, anteontem. Ontem, profissionais do Miguel Couto homenagearam o colega com oração e balões brancos na porta do hospital.

Ainda de acordo com a denúncia da enfermeira, os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) oferecidos pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para enfermeiros e técnicos de enfermagem que trabalham nos setores são óculos de proteção e máscara N95, que não tem prazo para ser trocada. "Estou trabalhando com a minha há vários plantões até conseguir uma nova", revela a profissional.

Ainda de acordo com a enfermeira, não foi aumentado o número de profissionais e diz ainda que a incerteza é outro fator com que trabalham, já que ninguém sabe quem tem o vírus ou não. "Até hoje (ontem), pelo que eu saiba, ninguém foi testado no Miguel Couto. Todo mundo assustado, com muito medo. Porque além das pessoas trabalharem e se contaminarem, elas estão levando para dentro de casa. Nós não temos touca, propé para proteger nossos sapatos. Nós saímos do hospital levando contaminação para tudo que é lado. Essa é a realidade, é a nossa triste realidade", alerta. "A situação é bastante precária. E eu acho que o perfil futuro do hospital é de muitos funcionários contaminados e algumas mortes, infelizmente. Porque para você trabalhar na linha de frente você pelo menos tem que ter um suporte e não é isso que acontece dentro do Miguel Couto", acrescenta.

Procurada, a SMS diz que não faltam EPIs no Miguel Couto. "Nesta semana estão sendo distribuídos 460 mil capotes para as unidades. Também foram compradas 1,1 milhão de máscaras N-95. Além disso, 3 milhões de máscaras, óculos e outros itens comprados na China devem chegar na próxima semana", afirma o órgão em nota. A pasta afirma, ainda, que estão em fase de implantação 10 centros de testagem de covid-19 para os profissionais da rede.

'Saúde vem sendo destruída'
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Para Flávio de Sá Ribeiro, diretor do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), a pandemia do novo coronavírus expôs ainda mais a precariedade do sistema de saúde do Brasil. Segundo ele, o que acontece no Rio de Janeiro, Amazonas e Ceará mostra um serviço incapaz de atender às mínimas demandas que a situação exige.
"A saúde vem sendo destruída ao longo de 40 anos, que não se tem política de gestão de saúde, de gestão de RH em saúde. Quando aparece uma pandemia, pesa o sistema desarticulado e destruído", avalia ele.
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O diretor do Cremerj afirma que não adianta elogiar médico durante a pandemia e depois não ter política de recurso e gestão humanos adequados. "O Brasil encara saúde e educação como gasto e não investimento. Quando isso mudar, estaremos prontos para enfrentar qualquer desafio", diz.
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Conselho de Enfermagem de olho
De acordo com Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (Coren-RJ) até sexta-feira passada, dia 17, das 298 instituições verificadas pelas fiscalizações realizadas pelo órgão, foram identificadas 72 unidades com falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Destas, 29 não disponibilizavam pias para lavagem das mãos nos setores com pacientes de Covid-19; 11 não possuíam sabonete líquido;15 não tinham papel toalha; e 18 não ofereciam álcool a 70%.

"Do universo de 298, 14 não possuíam máscara cirúrgica, o que impactava em 786 profissionais expostos; 23 não disponibilizavam máscara N95, expondo 283 profissionais de enfermagem em assistência direta a procedimentos invasivos. Além do exposto, 29 instituições não possuíam capote. No que se refere aos afastamentos, o Coren-RJ identificou 548 profissionais afastados, sendo testados somente 31 e confirmados 19", diz a assessoria do Coren-RJ por nota.
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Homenagens aos heróis da saúde
Na porta do Miguel Couto, profissionais da saúde prestam homenagem a técnico de enfermagem, vítima da covid-19
Na porta do Miguel Couto, profissionais da saúde prestam homenagem a técnico de enfermagem, vítima da covid-19Reprodução/TV Globo
Ontem, na Zona Sul, colegas de trabalho homenagearam na porta do Hospital Municipal Miguel Couto, no Leblon, um técnico em enfermagem morto anteontem pelo novo coronavírus. Bastante emocionados, os profissionais seguravam balões brancos, rezaram um Pai Nosso e descreveram Jorge como excelente profissional e grande amigo. Jorge Logello tinha 49 anos, era diabético e hipertenso. Ele decidiu não parar de trabalhar e atuava na linha de frente do atendimento à Covid-19. Ele deixa mulher, enteado e neto.
"Ele era um colega maravilhoso, tranquilo, calmo, sempre com um sorrisão no rosto. Muito respeitador e profissional. Um cara que vai deixar muita saudade. Um grande profissional de saúde. Foi uma perda que abalou todos os funcionários da unidade, todos ficaram chocados: médicos, assistente social, enfermeiros, técnicos, maqueiros", conta um profissional do Miguel Couto, que pediu anonimato.
A técnica em enfermagem Nilcemar Melo, que por 27 anos foi companheira de Jorge, diz que o marido era uma pessoa muito boa e alegre. "Ele estava bem e de repente começou uma febre. Tomava remédio, teve uma piorada no sábado, por teimosia não ia para o hospital. No domingo teve falta de ar e na madrugada para segunda fomos para o hospital. Ele faleceu na terça-feira, à tarde, 12h45", conta ela, aos 56 anos.
Nilcemar diz que ninguém do Miguel Couto ainda foi testado. "Nem eu que trabalho no Lourenço Jorge e estou de quarentena", afirma ela, que fez tomografia e que está afastada de suas funções. "Peço para que as pessoas tenham cuidado. Só acontecendo com a gente que vemos que é serio. Nosso presidente da República nem está ligando. Meu marido votou nele e gostava dele. Justiça não quero. Ele sabia do risco que corria. Falei para ele”, desabafa a técnica emocionada.
Em Santa Cruz, na Zona Oeste, moradores fizeram oração para profissionais da saúde na porta do Hospital Municipal Pedro II. Alguns dos presentes se ajoelharam durante o momento de prece. Eles pediram para que Deus protegesse pacientes, funcionários e aplaudiram o trabalho das equipes de saúde.
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