Carro de som do tráfico avisa toque de recolher na favela de Acari - Reprodução/RG Notícias
Carro de som do tráfico avisa toque de recolher na favela de AcariReprodução/RG Notícias
Por Gabriel Sobreira
Moradores da favela de Acari, na Zona Norte do Rio, registraram em vídeo uma cena curiosa: criminosos estão usando carro de som para anunciar toque de recolher, por conta da pandemia. Vídeos e áudios de aproximadamente um minuto circulam nas redes sociais com os avisos. O veículo 'fiscalizador' é chamado de'Carro da lapada' e é um Civic prata com giroflex e caixas de som acopladas num reboque. Procurada, a Polícia Civil não se posicionou até o fechamento desta edição.
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"Atenção, comunidade! Agora é lei. A ordem é ficar em casa. O carro da lapada vai passar às 19h30. Não fique na rua batendo perna de bobeira. Atenção, mãe, não deixe suas crianças nas ruas. Não estamos de férias. Estamos de quarentena", começa o alerta precedido de um som de suspense.
Na sequência diz que, durante o dia, se sair à rua, o uso da máscara é obrigatório. Festa e churrasco só são permitidos dentro de casa, ainda de acordo com a ordem. "O carro da lapada vai fiscalizar. O papo é toque de recolher. À noite só será permitido quem trabalha com entrega e tem que estar de máscara e luva. Isso é obrigatório", destaca."Repetindo, não estamos em colônia de férias. Estamos em quarenta. Essa doença é séria. Já temos vários casos de coronavírus dentro de Acari e alguns casos de morte. Não pague para ver. Abraça o papo ou o papo vai te abraçar", finaliza.
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Para José Ricardo Bandeira, especialista em segurança pública, os áudios e vídeos são lamentáveis. "O crime organizado está ocupando o lugar do poder público devido à omissão. Já que o poder público não ocupa seus espaços, não incrementa seus projetos sociais, o crime organizado ocupa esse lugar", avalia.
Bandeira diz que, bem ou mal, o crime organizado está dentro da comunidade e vê a realidade local. Para que infratores cheguem ao ponto de impor toque de recolher, segundoe Bandeira, é porque criminosos estão vendo que a situação nas comunidades está gravíssima. "As comunidades do Rio estão abandonadas. São milhões de pessoas vivendo sem saneamento básico, sem condição mínima de higiene. A proliferação de um vírus é catastrófica. Daí a preocupação do crime organizado tentando conter. É algo ilegal, não podemos concordar que pessoas vivam sob o julgo da violência, da pressão bélica, mas acontece devido à omissão do poder público", diz.
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"Não foi feita nenhuma campanha de prevenção nas comunidades por parte das autoridades. O poder público não fez distribuição de álcool em gel e sabonetes nas favelas. Diante de tanta omissão, cria-se um terreno propício para o crime organizado fazer o que fez. Quando ele impõe toque de recolher, demonstra preocupação grande com a comunidade, já que ele (crime organizado) vive de exploração, venda de drogas, serviços. Se impõe toque de recolher, diminuindo a arrecadação, é porque a situação está muito grave", detalha José Ricardo.
A solução imaginada pelo especialista está em ações sociais. Política de saúde pública, saneamento, educação. "O poder público precisa, neste momento, de foco em saúde, fazer campanha nas comunidades. O morador mal sabe o que fazer, precisa de conscientização, de suprir os meios necessários. O governo deve distribuir cartilhas, sabonete, álcool em gel. Já que não tem água, faça distribuição de galões de água, kit de higiene para que a população possa se cuidar. Vivemos uma situação em que a população com poder aquisitivo está em pânico, agora imagina quem não tem dinheiro?", questiona Bandeira.