Surdo, o youtuber Gabriel Isaac trabalhou na live das cantoras Simone e Simaria, que contou com intérpretes de livres - Arquivo Pessoal
Surdo, o youtuber Gabriel Isaac trabalhou na live das cantoras Simone e Simaria, que contou com intérpretes de livresArquivo Pessoal
Por ANA CARLA GOMES

No canto da tela, eles chamam a atenção nas lives que fazem a diversão de quem está no isolamento social. Os artistas são a atração principal, mas os intérpretes de Libras, cumprindo importante papel de inclusão para os surdos, fazem sucesso nas transmissões. Os comentários sobre o carisma e a performance deles tomaram conta das redes sociais e a cantora Marília Mendonça se rendeu às profissionais Cintia Santos e Gabriela Mattos, que trabalharam no show do Harmonia do Samba, na casa do vocalista Xanddy e da mulher, Carla Perez. "O molejo das intérpretes de libras baianas, meu pai", escreveu a rainha da sofrência, no Twitter.

"Não esperava tamanha repercussão, fiquei feliz com o retorno de colegas, amigos e familiares e com o elogio de Marília Mendonça. Porém, o mais gratificante foi receber vídeos emocionados dos surdos, que curtiram muito, gostaram e se sentiram representados", diz Gabriela.

Os profissionais contam que o trabalho exige preparação prévia. "O Harmonia do Samba é uma banda baiana e sou fã deles. Mas não estava familiarizada com algumas músicas, como 'Piseiro' e 'Lentinho'. Então, tivemos que estudar muito. A música baiana, bem como outras, tem muito duplo sentido e metáfora. E trazer isso para a realidade cultural do surdo é difícil", destaca Cintia.

No dia da live, a dedicação é grande. "A gente chega uma hora antes para fazer a marcação do espaço, verificar luz, som, ver se o tamanho da janela de tradução está adequado, fazer a passagem de alguns sinais. Durante a live, enquanto um está na frente da câmera, os outros estão ligados fazendo o apoio, acompanhando a tradução, para ter certeza de que tudo está bem", conta Gessilma Dias, intérprete de Libras que fez sucesso na live de Marília Mendonça.

E comenta os desafios que ela e os colegas de profissão encontram: "Temos que sentir a música, ouvir várias vezes acompanhando a letra para entender o que o compositor quis expressar e fazer uma adaptação para a cultura surda. Um exemplo é a música "Contatinho", que fala de ligação de celular, de telefone ocupado. Adaptamos o ligar para fazer chamada de vídeo, que é a maneira como o surdo se comunica para falar com as pessoas, entre outros ajustes, mas sem perder a essência da música".

Surdo, o youtuber Gabriel Isaac, que trabalhou na live da dupla Simone e Simaria, aprova a dimensão que a sua língua materna está ganhando. "A Língua Brasileira de Sinais está tendo mais visibilidade, isso é muito importante para a comunidade surda. Existe uma história de luta e conquista pelo direito de usar essa língua, que nunca foi muito reconhecida, sempre excluída ou alvo de zombaria".

Mas Gabriel alerta: "Infelizmente, depois das lives, ainda estamos vendo muitas pessoas e até comediantes famosos brincando com isso, é falta de respeito! Estamos lutando para acabar com essa situação, pois não estamos contando piada".

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Youtuber surdo faz sucesso
Surdo, o youtuber Gabriel Isaac trabalhou na live das cantoras Simone e Simaria, que contou com intérpretes de livres
Surdo, o youtuber Gabriel Isaac trabalhou na live das cantoras Simone e Simaria, que contou com intérpretes de livresArquivo Pessoal
Surdo, o youtuber Gabriel Isaac trabalhou na live da dupla Simone e Simaria. No ano passado, ele já tinha chamado a atenção ao recriar clipes em Libras, ganhando elogios de Anitta, Lexa e Pablo Vittar. Na ocasião, contou com a ajuda de um amigo. Juntos, conseguiram combinar o momento exato da letra da música com os sinais e, usando um aparelho auditivo retroauricular, Gabriel ouviu a batida, além de sentir o ritmo e a vibração da música com o corpo.
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"Aprendi esse processo por causa dos clipes que recriei em Libras. O aparelho auditivo me ajuda a ouvir as músicas para pegar o ritmo, além de conversar com o amigo para ver se estava tudo encaixando certo", conta.
Ele explica o trabalho nas lives: "Trabalhei com 4 TILS (Tradutor e Intérprete de Libras), que são ouvintes, e foi quase a mesma coisa. Trabalhamos juntos e conversamos para fazer as traduções mais adequadas, o ritmo... Pedi para ter uma caixa de som perto para sentir a vibração e a energia da música entrando no meu corpo e a batida. Foi uma experiência divertida", relata.
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Bem-humorado, ele comenta a reação do público: "É engraçado porque muitas pessoas ficaram 'bugadas' pensando em como consigo interpretar sendo surdo ou pensam que copio os TILS, mas não é assim. A sinalização de cada um é diferente e, quando os TILS, sinalizam eu adapto para Libras, minha primeira língua".


Cultura é desafio para inclusão
As intérpretes de libras Cintia Santos e Gabriela, que trabalharam na live do Harmonia do Samba, ao lado de Carla Perez
As intérpretes de libras Cintia Santos e Gabriela, que trabalharam na live do Harmonia do Samba, ao lado de Carla PerezArquivo Pessoal
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Em 24 de abril, foi festejado o Dia Nacional de Libras, Língua Brasileira de Sinais,regulamentada há 18 anos. Mas há muito a ser feito.
"São muitos desafios que a comunidade surda enfrenta, mas o destaque mais recente é esse em relação à música. Muita gente pensa que os surdos não precisam consumir esse entretenimento só porque não ouvem, mas eles podem, sim", defende Gabriel Isaac. E completa: "Podemos sentir a música, frequentar festas, entender o significado por trás das letras e nos divertir como todo mundo. Faltam diálogo e informação para essas pessoas entenderem a nossa realidade e pararem de decidir o nosso destino por nós".
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Cintia diz que a cultura é determinante para a inclusão: "Falamos da educação dos surdos, que é precária. Mas eu e Gabriela, que somos mulheres negras, percebemos que o espaço da cultura e do lazer favorece o empoderamento intelectual".
A jornalista com deficiência Lucília Machado, presidente da Comissão UFF Acessível, destaca a importância dos intérpretes de Libras: "A explosão de lives, com as janelas de Libras, vem fortalecer a história da comunidade surda, dando visibilidade nos 18 anos da Lei de Libras. Os intérpretes fazem essa ponte com a música, que, no momento de tristeza que vivemos, trazem alegria para os surdos".
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